A conversa nos divãs da cidade mudou. Se antes os pacientes falavam de si mesmos, seus trabalhos e suas famílias, agora a conversa tem sido cada vez mais estendida ao noticiário. Psicanalistas e psiquiatras notam como a crise política e econômica está aumentando a angústia, a desolação e, em muitos casos, a raiva de seus pacientes — mudando até a forma como eles veem o mundo.

Transtornos frequentemente observados nos consultórios, como tristeza, ansiedade e dificuldade de dormir, têm atualmente uma ligação mais explícita com o panorama do país. Há, por exemplo, pacientes com depressão porque, com a crise econômica, foram obrigados a retirar o filho de uma escola particular e matriculá-lo em uma unidade pública. O desemprego e a queda dos salários também dificultam a continuidade dos tratamentos, levando à redução ou desistência das sessões.

Vice-presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina, Antônio Geraldo da Silva ressalta que as pessoas estão sob permanente estado de exaustão, considerando a crescente dimensão dos escândalos e a duração da crise.

— Vivemos em estado de estresse pós-traumático — explica. — É um fenômeno semelhante à comoção nacional provocada pela morte do Ayrton Senna, encarada como se tivéssemos perdido um amigo. Desta vez, no entanto, é um luto continuado, que já se estende por três anos e afeta nossa estabilidade emocional, como se estivéssemos tentando nos equilibrar na areia movediça. Parece que estamos permanentemente rodeados pelo caos. Diante dos escândalos, perdemos nossos ídolos e referências.

NECESSIDADE DE DESABAFO

O psicanalista Joel Birman constata que as notícias bombásticas provocam a necessidade de um desabafo: os pacientes sentem-se ludibriados e manifestam pessimismo diante de tantas reviravoltas no país. As reações são, para ele, um rico material de análise.

— Isso me permite compreender melhor os pacientes — revela. — Eles manifestam opiniões apaixonadas, como estatizar ou privatizar tudo, acabar com empresários mal intencionados. Assim como eles, também fico embasbacado com a crise do país. Na verdade, o que mais estranho é quando as pessoas ignoram o noticiário. É como se vivessem em outro mundo.

Birman destaca como os desabafos que acompanham os escândalos influenciam os modelos tradicionais de tratamento no divã:

— Normalmente as pessoas fazem análise para falar delas próprias, mas hoje não conseguem absorver friamente a extensão dos malfeitos. Precisam de um local onde possam falar sobre isso, mesmo que apenas por alguns minutos — destaca.

De acordo com o psicanalista, quando a crise bate à porta, a procura pelas análises diminui, como se fossem um artigo de segunda necessidade. Os pacientes que não desistem do tratamento reduzem sua frequência nos consultórios ou, então, conversam apenas sobre problemas pontuais, cujo debate costuma ser mais rápido.

Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Estado do Rio, Sônia Bromberger também percebeu o baque da crise em seu consultório — os pacientes estão aparecendo menos e renegociando preços.

— A realidade invadiu os consultórios — conta. — O modelo ideal, com o atendimento em até quatro ou cinco sessões por semana, tornou-se inviável, seja pelo peso financeiro ou pelo caos na cidade: greves, manifestações, chuva, violência. Muitas pessoas perderam o emprego e, por isso, precisaram parar a análise.

Em muitos casos, o sentimento predominante entre seus pacientes é a angústia. A vergonha e o choque com as lideranças provocam um efeito particularmente notável entre os jovens.

— Eles estão desanimados, veem o mundo com um prognóstico negativista — lamenta. — Muitos já buscam uma forma de deixar o país. E também há adultos que abdicam de uma renda maior para se aposentar mais cedo.

Para Sônia, um paciente que está em análise lida com conflitos para ser mais feliz. No entanto, a crise no país obriga os profissionais a mudar interpretações clássicas sobre as situações que provocam a busca por tratamentos.

— Vemos mais pessoas que lidam com preocupações como estar com o salário congelado e a sensação de fracasso profissional. Isso não deve ser interpretado, por exemplo, como o resultado de uma rivalidade com a figura paterna — sublinha. — Não somos indivíduos isolados. Tudo nos afeta, mesmo se evitarmos a leitura do jornal. Algumas pessoas são otimistas e dizem que, no final, tudo vai dar certo. Outros falam que querem que tudo se exploda. Cabe ao psicanalista ver estes discursos subjetivos e pessoais e resgatar uma maneira para que o indivíduo encontre soluções para sua vida.

A psicanalista Rachel Sztajnberg também percebe a "desesperança" manifestada por seus pacientes, que já chegam "abatidos, alguns melancolizados".

— O caos se instalou, o desamparo e a orfandade compõem o quadro responsável pelo incremento das depressões, do pânico, da ansiedade persecutória e outras nuances psicopatológicas que se avolumaram consideravelmente — descreve. — As fissuras éticas e a hipocrisia escancarada das instâncias que deveriam ser exemplares suscitam uma desesperança. Com a impotência grassa nessa terra de ninguém, seus habitantes perambulam condenados ao mais primitivo dos sistemas: o salve-se quem puder.

Rachel concorda que o envolvimento dos pacientes com a crise parece inevitável:

— Só um sujeito severamente comprometido psiquicamente vive dissociado do ambiente no qual está inserido — diz. — Quem é são, habita um espaço que se situa entre sua realidade interna e a realidade externa, uma se refletindo sobre a outra em estado de constante tensão. O estado de desequilíbrio desse campo de forças gera sofrimento e ameaça e é inevitável que o mal estar venha a ser uma questão primordial no espaço terapêutico.

CLIMA DE DESESPERANÇA

Marcos Alexandre Gebara Muraro, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatra, assinala que a crise financeira pode acentuar a propensão de alguns pacientes a ter problemas mentais.

— Este é um fator poderoso sobre as pessoas, porque está desencadeando uma série de enfermidades — alerta. — Com a piora do padrão de vida, vemos mais casos de estresse e predisposição para transtornos obsessivo-compulsivo, bipolar e de ansiedade. Tenho 40 anos de formado e já vivi crises muito sérias, como a hiperinflação nos anos 1980, mas nunca tanto desemprego e quebra de empresas. Isso provoca um trauma muito profundo.

Diante dos potenciais danos à saúde, o consultório recebe uma nova leva de pacientes:

— Há uma corrente que deixa o tratamento porque não tem dinheiro para pagar, mas outros pacientes estão chegando, porque a pressão que sofrem eclodiu em patologias como depressão. Na análise, fica claro que eles não falam apenas de um transtorno na economia ou de um problema político, e sim de uma crise moral.

Fonte do texto e da imagem: O globo