Um dos grandes legados de Freud à psicologia, ao contrário do que muitos pensam, não foi a teorização sobre o inconsciente humano (por mais que este tenha sistematizado uma obra mais completa), já que este tema já era discutido por outros teóricos como Leibnitz, Herbart e Fechner anteriormente. Mas o fato é que o pai da psicanálise também se coverteu no pai do que hoje conhecemos como psicologia Clínica.

Antes do método freudiano, a psicologia da época era marcada por pesquisas laboratoriais, experimentos objetivistas, e questões que viam a psicologia como algo muito próximo aos modelos positivistas das ciências naturais que necessitavam isolar o "objeto" observado do observador, para ter uma visão mais parcial do mesmo. Essa visão de neutralidade científica havia colocado uma barreira à proximidade entre o sujeito da pesquisa. Mas isso até o momento em que Freud, com seus métodos nada ortodoxos, revolucionou o modelo de pensar e fazer psicologia no século XX.

O pai da psicanálise, médico por formação, foi o responsável por aproximar o modelo biomédico à psicologia, afastando-a um pouco do já estabelecido modelo de laboratorial, de manipulação de variáveis, inserindo o estudo de caso como método válido para captação de dados, e inaugurando uma modalidade de pesquisa qualitativa em nossa ciência. Isso tudo se deu graças ao pioneirismo de Freud que, mesmo sem se ater rigidamente aos critérios filosóficos para embasar epistemológica, ontológica e metodologicamente a sua teoria, abriu espaço para importantes reflexões, que se fazem presentes na atualidade inclusive.

Mas uma das mais importantes contribuições da psicanálise para a psicologia com certeza foi a nova possibilidade de compreensão sobre a psicopatologia àquele tempo: A psicopatologia passou a ser compreendida como uma alteração biopsicológica, onde a construção do sintoma tinha base na história individual da pessoa. Todavia esta história era vista à luz de uma explicação biológica e "familiar", onde o comportamento doentio era regido pelo determinismo do inconsciente.

Freud chegou muito próximo a uma compreensão social do inconsciente, quando conseguiu entender que o contexto familiar onde os "doentes" estavam inseridos era um grande fator influenciador. Todavia, quando olhado sob a luz de teorias histórico culturais da atualidade, pode-se ver que a questão de "cultura" (visitada nas obras de Freud em alguns manuscritos como "Moisés e o Monoteísmo" e "Totem e Tabu") não esteve diretamente atrelada à explicação dos estudos de caso. Arriscaria-me a dizer que, mesmo com todo o pioneirismo de Freud, ele não chegou a uma explicação mais ampla do fenômeno psicopatológico.

Quando falo isto, falo olhando do presente para o passado, e não do presente para o presente ou para o futuro (na posição de Freud à época), entendo que este sinalizou a cultura como conformadora da psicopatologia, mas de uma maneira muito restrita. Ora, a psicopatologia é um fenômeno que está inserido em um contexto cultural e histórico mais amplo, sendo por este influenciada diretamente (ou construído). Por isto, olhando para a sociedade do medo que estamos construindo hoje, é fácil entender a lógica dos transtornos do pânico, da ansiedade generalizada, do transtorno obsessivo compulsivo, afinal de contas, com a modernidade líquida desafiamos as certezas que reinavam há séculos em nossa sociedade e criamos novos padrões de comportamentos e estilos de vida. Na época em que Freud realizou seus estudos, em uma comunidade "rica" para os padrões da época, com mulheres regidas sob as leis da Era Vitoriana, onde não era possível expressar-se, sexual ou socialmente, a histeria era simplesmente o sintoma de uma sociedade adoecida.

Assim mesmo como hoje se torna fácil explicar as epidemias de Crack, em uma sociedade em que as famílias encontram-se fragilizadas pela falta de orientação e educação, e onde os limites fora abolidos de vez. A flexibilização da autoridade (em todos os níveis) e a corrupção social e política generalizada, ajudou a favorecer com que as ondas de dependentes químicos se formassem. Assim como não é difícil prever uma onda de delinquência que advirá ao mundo nos próximos anos, em conjunto com outra onda de depressão latente que está para se manifestar: Afinal de contas, estamos construindo um mundo isolado e desordenado, onde o caos chegou à um nível de organização em que a desordem reina.

É a velha sacada dialética, onde compreende que produto e produtor são confusos componentes de um mesmo sistema. Desta forma, precisamos olhar para a maneira como estamos construindo nossa sociedade, política, educacional, moral, civil, e "etceteramente".

O que posso dizer, para resumir esta história é que, as doenças psicológicas que hoje conhecemos estão intimamente ligadas às condições históricas, culturais e sociais do homem que as porta.

Fonte:psicologia.com.br/colunista/13/" target="_blank"> Colunista Murillo Rodrigues