Eu e meu filho estávamos no supermercado, concentrados na escolha de um vidro de azeite, quando um senhor que eu nunca vi na vida nos viu. "Mas que rapazinho mais lindo", ele disse, até então simpático. "Vou levar você pra mim, heim...", ele completou, olhando pra cara da criança, cuja expressão passou do sorriso à tensão em segundos. O menino olhou pra mim com urgência, e eu, enquanto pensava "meu deus do céu, o que é isso?", retruquei "mas é claro que não vai". O tempo que eu levei pra falar isso foi o tempo que ele levou pra pular no meu colo, e ainda deu pra sentir seu coração disparado. O homem sorriu, recuou... E eu sei que ele só queria interagir. Mas, convenhamos, será que ele não tinha outro recurso pra fazer isso?
Esse não é um exemplo isolado. Foi pra mim a cereja do bolo de uma série de abordagens indelicadas que tenho visto acontecer com as minhas e com as crianças dos outros. Se olharmos pro lado, vamos ver que somos uma sociedade despreparada pra dialogar com crianças, e isso não é uma bobagem se considerarmos o peso que conexões mal feitas podem ter no imaginário infantil. Talvez seja uma herança cultural, já que até poucas décadas atrás criança tinha muito pouco espaço, e quase ninguém se preocupava com a melhor maneira de abordá-la. Mas parece que o buraco é mais embaixo: muita gente tem o vício de mexer com criança provocando incômodo. Tem gente que acha isso engraçado, e tem gente que simplesmente não teve (ou não se dá) oportunidade de pensar sobre isso. Dizem pros pequenos coisas que jamais diriam pra um adulto porque são absurdas. Ou alguma pessoa normal anda por aí ameaçando raptar ou outros ou roubar sua blusa, tão linda que ela é?
Todos os dias, no caminho pra escola, passamos por um amigo da vizinhança que, carinhoso, faz questão de cumprimentar o menino. Desde os tempos de bebê, ele foi acumulando "elogios" aos tênis, shorts, brinquedos e bonés que o pequeno carregava, terminando as frases com variações de "você dá pra mim?", "vou levar pra minha casa!", "esse eu quero, heim..." E diante da negativa espontânea, emendava: "ah, por que não? Vou levar!" O menino foi ficando visivelmente incomodado, e enquanto eu ainda pensava se devia dizer qualquer coisa, ele outro dia me perguntou: "mãe, por que o fulano quer levar todo o que é meu?" "Deve ser porque ele acha bonito, filho..." "Mas eu vou ter que ficar sem?" "Claro que não, é brincadeira dele!" "Por que essa brincadeira dá medo?"
Sei que, em princípio, não é maldade. É falta de repertório. Só que isso não pode ser desculpa para ficar repetindo um comportamento que incomoda e que, dependendo do caso, assusta quem não sabe, ainda, se defender. Conexão é coisa séria, e podemos fazer melhor do que isso. Se falta repertório, vamos correr atrás. Se não tem o que falar... então talvez seja melhor sorrir.
Fonte: Equilibrosa