Tratando do Gozo no Tempo, notamos que "o homem moderno vive uma espécie de antinomia com o tempo, uma espécie de disputa em que as horas são inimigas e ao mesmo tempo preciosas" (Corrêa, 2001). Com isso o tempo perde sua suposta condição de objetividade, tornando-se um ponto de incidência de suas reações afetivas. O tempo que passa, o difícil dia que se finda, a marca atenuada ou culposa do passado, a inexorável incisão do presente, ou o campo de incertezas do futuro, são marcas de uma adjetivação clara em que falar do tempo sugere sempre uma conotação de bom, mau, produtivo, triste, alegre. O afeto incide sobre o tempo vivido transformando-o e tornando-o um atributo (com qualidades que não pertencem à sua essência). Ao tempo assim vivido, deve-se acrescentar a questão de que estados diferentes de afeto são responsáveis pela percepção alterada do tempo. O saudoso professor Lopez Ibor (1969) em feliz sentença definiu a angústia como uma concentração de tempo. Palavras, ocorrências, dificuldades a resolver, o trabalho e afetos diferentes, muitas vezes coisas toleráveis a seu tempo, se reúnem em um espaço de tempo impossível à consciência. De outra forma, a relação entre afeto e percepção subjetiva do tempo é uma vivência comum a todos nós. A lentidão do tempo de sofrimento e de espera e o tédio imobilizador do relógio fazem contraponto aos momentos felizes, ao encontro com o prazer quando tudo passa tão depressa.

A literatura tem se mostrado extremamente rica na apresentação das variações do sentir a espera marcada pelo desejo, o ato de consumo e a nostalgia da conclusão do ato ou até uma espécie de luto pela perda do desejo saciado. Na verdade, é como Lacan ensinou em 1962. O afeto está sempre ligado àquilo que nos constitui como sujeitos desejantes em nossa relação com o outro semelhante, com o grande Outro, como lugar do significante e da representação do objeto a. A manifestação literária do afeto tocando todos estes pontos é como se tocasse o Real, que o poeta toma como se fosse a própria vida. Esta é a matéria-prima fundamental da poesia. Escolhemos um fragmento ilustrativo. Tomemos Fernando Pessoa.

"E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A certos momentos do dia recordo tudo isso e apavoro-me,

Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,

Desta estrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,

Desta turbulência tranquila de sensações desencontradas,

Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,

Deste desassossego no fundo de todos os cálices,

Desta angústia no fundo de todos os prazeres,

Desta saciedade antecipada na asa de todas as chávenas,

Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim."

A concentração de temas em um tempo que transforma o presente em angústia, torna-o insuportável e evanescente. O poeta frente à tentativa de encontrar um tempo compassado ao que sente. O desassossego de um prazer que é na verdade o gozo.

Fonte: CBP