Vocês já devem ter ouvido falar que duas pessoas nasceram uma para a outra. Da mesma forma, ouviu sobre duas pessoas que não se suportam e, mesmo assim vivem juntas por muito tempo. Em psicanálise a explicação para isso está são as neuroses complementares.
Traduzindo em miúdos, neurose complementar em um casal é o casamento da neurose de um deles com a do outro. Ou seja, um sujeito vive com uma mulher que o maltrata e o faz passar por situações que nenhum outro ser humano aguentaria e, no entanto, mesmo se fazendo de vítima pelo que aguenta, arruma dezenas de motivos para continuar a alimentar sua neurose de submissão e não deixa esta mulher.
O que eu estou tentando mostrar, levando em consideração o exemplo acima, é que uma mulher cuja satisfação neurótica é humilhar seus parceiros termina por encontrar um homem que sente a necessidade neurótica de ser humilhado e sofrer nas mãos de uma mulher. Eles não vão se separar nunca porque suas neuroses se complementam e um dá ao outro o que ambos desejam. Em casos extremos chego a acreditar que apenas a morte de um deles seria a causadora de uma separação.
Freud explica este tipo de comportamento lançando mão do Complexo de Édipo e a relação afetiva estabelecida entre o homem do exemplo e sua mãe e entre a mulher deste exemplo e seu pai.
No caso do homem, a possibilidade de relacionamento edípico que se apresenta, é aquela em que a mãe da atenção ao filho através de críticas e punições e, acostuma este homem a imaginar que a única forma de ser amado, é fazendo com que sua esposa reestabeleça a relação que ele teve com a mãe. No caso da mulher, podemos imaginar o mesmo tipo de relação, só que, o que teremos que imaginar, é um pai que a criança imagina que só a amará se ela for agressiva com ele.
Portanto, da próxima vez que você ver um homem ou uma mulher maltratando seu cônjuge por um período muito longo de tempo, não faça de um deles o vilão e do outro o coitado. Ambos estão apenas "se amando" da forma como a configuração de seus Édipos foi estabelecida. Se você se sentir incomodado por isso, aconselho que se afaste do casal pois eles estão muito bem sem a sua rejeição.
Agora, imaginando que um dos personagens do exemplo dado falte, e aquele que restou tente se aproximar de um novo ou uma nova parceira e, por azar, ele não consiga reestabelecer a complementação neurótica.
O homem do nosso exemplo é alguém que espera ser maltratado pela mulher e, no entanto, traz para junto de si alguém que não tem a neurose de maltratar seus parceiros. Ele ficará decepcionado com a nova companheira e, de uma forma ou de outra, buscará motivos para ser maltratado, seja através de demonstrações de desinteresse ou através de ações que sejam totalmente questionáveis pela mulher, desde uma traição até um ato de violência para com ela, por exemplo. O que estou querendo dizer é que na impossibilidade de ele receber aquilo que deseja, torna-se muito fácil criar motivos que levem a parceira a agir da forma como ele deseja.
Já a mulher, por outro lado, passará a perceber uma mudança no comportamento do homem que está a seu lado. Ela verá que agindo da forma como ela acha que deve tratar seu parceiro o máximo que ela consegue é atrair um desinteresse maior para ela. Passando a não se perceber mais o objeto de amor deste parceiro, ela passará a buscar motivos para tanto e desenvolverá certamente uma forte dose de culpa pelo fracasso da relação. Concomitantemente, ela também não verá suas neuroses satisfeitas e isso a colocará numa posição de agir de forma semelhante à do parceiro, criando situações que evoquem as reações que ela deseja ver na pessoa que está a seu lado.
O que teremos então são duas pessoas agindo de forma totalmente inversa às de suas neuroses tentando despertar um no outro as reações que a neurose de cada um deles deseja ver aflorada. Em pouco tempo a relação estará desgastada e das duas uma: ou eles se separam apelando cada um deles para seu instinto de sobrevivência, ou ambos passarão o resto de suas vidas desejando que o parceiro ou a parceira mostre uma complementariedade neurótica que não existe.
Vendo como um tipo de relacionamento onde não há complementariedade pode acabar, começamos a achar que o homem do nosso exemplo, com a primeira parceira, na verdade vivia momentos de muita satisfação, mesmo que para quem está de fora observando isso parecesse um inferno. E podemos perceber também como um relacionamento onde não há complementação, aí sim a vida pode se tornar um inferno destrutivo e de onde ninguém conseguirá sair ileso.
Fonte: Sociedade Paulista de Psicanálise