Por Fabiana Ribeiro

Amor. A criança precisa mesmo é de amor. Não adianta brinquedo da Fisher Price, quarto montessoriano ou dieta orgânica. É de amor – de mãe, pai ou do cuidador mais próximo – que um serzinho em formação mais necessita. Uma conclusão óbvia? Poderia ser, mas já não sei… Temos ficado tão distantes de nossos filhos, deixamos que tablets e afins nos substituam facilmente e terceirizamos seus cuidados com uma naturalidade tão assustadora que parece bem bom sermos lembrados disso de vez em quando. E tem gente muito boa na função. Está em cartaz, gratuitamente até domingo, o documentário "O Começo da Vida" que nos diz em letras garrafais: nada fortalece mais o ser humano do que o amor e esse amor precisa ser passado desde a mais tenra a idade.

Ah, os tempos modernos.. O homem busca água em Marte, mas nada tem tanto impacto na vida de um indivíduo quanto o amor que recebe. A conclusão não é minha, embora já desconfiasse. É de uma gente que entende do riscado, entrevistada para o filme, – de cientistas a psicólogos consagrados, passando por economistas premiados – que prova por A + B que o afeto é fundamental para o bom desenvolvimento da humanidade. Aos especialistas, somemos ainda as histórias de famílias como a de Phula, uma menina que cuida sozinha dos irmãos em uma comunidade indiana em meio a obras em construção. Ah, sim, e ainda tem Gisele Bündchen – não a modelo, mas a mãe.

O filme se concentra na chamada primeira infância, e nos faz sair do cinema querendo abraçar os filhos, rever atitudes, voltar no tempo… Deveria entrar naquele arcabouço teórico que muitos pais se calçam quando querem ser pais melhores. Não que traga alguma grande novidade, não é isso. Tampouco traz manual. Mas nos faz refletir sobre a importância das relações afetivas na construção de uma pessoa e dos seus efeitos para a própria sociedade. É como se nos dissesse mais ou menos assim. Quer filho feliz? Ame. Quer filho produtivo futuramente? Ame. Quer filho bem resolvido? Ame. Quer filho com valores, seguro, tranquilo e que respeite o outro? Ame, ame, ame. Mas não se trata aqui do amor banal, do amar por amar, do amo-porque-é-meu-filho. O filme fala do amor que se constrói, no dia a dia, na vivência e na convivência, no amor que participa. Pros fortes.

A direção é assinada pela cineasta Estela Renner, a mesma que produziu os documentários "Criança, A Alma do Negócio", que questiona os efeitos da publicidade dirigida às crianças, "Muito Além do Peso", sobre a epidemia de obesidade infantil no Brasil e no mundo, e "Tarja Branca", sobre a importância do espírito lúdico em nossa vida. Com fotografia e trilhas sonoras impecáveis, o documentário entrevistou cerca de 50 famílias (nem todos aparecem, claro) de diferentes culturas, nacionalidades e realidades socioeconômicas dos quatro cantos do planeta (Brasil, EUA, Canadá, Itália, França, China, Argentina, Índia e Quênia). Cutuca em temas como gravidez na adolescência, famílias tradicionais, com dois pais ou duas mães, maternidade, papel do pai, adoção. Com delicadeza, não deixa ninguém de fora: rico e pobre, ocidental e oriental, filhos com ou sem deficiência etc etc etc. Tudo com muito primor.

(Aliás, parenteses necessários. Filhos com deficiência aparecem no filme. Sem destaque. Como qualquer outra criança do filme. Sem virada de página, tempo para respirar ou dramaturgia. A deficiência foi encarada com naturalidade, como deve ser).

O filme tem lá seus pecados. Como o de romantizar a maternidade um pouco além da conta, diriam uns. Mas não seria essa uma estratégia? Talvez… Bem como não aborda o efeito perverso das novas tecnologias na criação dos filhos, da falta de tempo, dos filhos órfãos de pais vivos – temas contemporâneos que modificaram a forma de se vivenciar a maternidade e a paternidade. Mudaram a forma de amar. Surpreendeu, por exemplo, o fato de não aparecer criança em tablets e jogos eletrônicos, que, apesar de não ser o recomendado, já é uma triste realidade. Talvez a estratégia tenha sido justamente essa, a de ressaltar o peso da presença, da participação na formação das crianças. Talvez…

A discussão da pobreza foi riquíssima, com a constatação crua de que a condição nega direitos básicos – como acesso a escola, educação e moradia – a milhões de famílias no mundo e de que ajudar crianças perpassa em ajudar adultos. Soco no estômago. No entanto, o retrato da pobreza, ainda que numa estética nada apelativa, se deixou levar pelo senso comum e pelos estigmas de sempre. Nem só de famílias desestruturadas ou de drogas se resumem a pobreza ou a miséria. Há muitas famílias pobres que, certamente, não se viram representadas no longa. Há de se ter cuidado ao estigmatizar o que já é bem estigmatizado. Nada disso, porém, é motivo para não se aplaudir de pé o filme.

Fonte da Imagem: FMCSV

Fonte do texto: Para todos