Por Vanessa Lima
Depois de um dia difícil no trabalho, você volta para casa e é recebido pelo seu filho. Como poucos acontecimentos passam despercebidos pelas crianças, ele não demora a lançar a pergunta: "Você está triste?" Nesse momento, boa parte dos pais tenta engolir o choro, mudar a expressão, colocando um sorriso no rosto, e deixa as lamentações para mais tarde. "Não, filho. Está tudo bem. Como foi o seu dia?" ou, em alguns casos, partem até para o "Que tal tomarmos um sorvete hoje?".
Se você se reconheceu na cena, saiba que é isso mesmo o que faz a maior parte dos adultos, de acordo com um estudo realizado pela Universidade de Toronto, no Canadá, e publicado na revista científica Personality and Social Psychology Bulletin. Os pesquisadores, liderados pela especialista em psicologia social, Bonnie Le, descobriram que mascarar os sentimentos ruins diante das crianças tem um custo emocional alto para os pais.
Para chegar a esse resultado, os cientistas entrevistaram 162 pais e, posteriormente, acompanharam outros 118 durante dez dias em uma rotina de cuidados com as crianças. Além de perceber que eles realmente reprimem as emoções negativas e amplificam as positivas, os pesquisadores puderam notar o quanto isso faz mal para eles. "Os pais experimentaram custos ao regular as emoções deles dessa maneira porque se sentiram menos autênticos ou verdadeiros com eles mesmos", disse Le.
Não precisa mentir
As crianças costumam notar, desde muito cedo, quando algo não vai bem com os adultos, ainda que não consigam entender muito bem as razões e nem sempre captem a intensidade do sentimento. Por isso, fingir que nada está acontecendo não costuma ser uma boa estratégia. "Quando a criança percebe uma emoção nos pais, ela usou diversos recursos cognitivos e de inteligência emocional para ‘captar’ o outro. Ao negar a verdade, os pais descredenciam a criança. É como se dissessem: ‘Você está errado no que percebeu’. Mas a criança estava certa!", explica a psicóloga Rita Calegari, coordenadora psicossocial do Hospital São Camilo (SP). De acordo com ela, essa situação gera um conflito, que pode deixar a criança insegura no futuro, duvidando de si mesma. "Ao agir assim, os pais perdem a grande chance de dialogar com seus filhos e dar exemplos reais de como se sentem e como agem com o que sentem. Isso ajuda a criança a nomear as emoções e a lidar com elas", completa.
A psicóloga e psicanalista Carmen Alcântara, de São Paulo (SP), concorda. "O que faz mal para a criança é quando o adulto nega sua percepção. Se a mãe está triste, a criança percebe, questiona e a mãe diz que ‘não é nada’", exemplifica. "Isso gera na criança uma crença de que sentimentos de tristeza e negativos devem ser escondidos sempre. Por sua vez, a mãe também não se sentirá melhor negando completamente para o filho o seu real estado de espírito", afirma.
Além disso, mascarar completamente os sentimentos negativos pode deixar a situação ainda pior. "Represar uma preocupação em um ambiente como o da família pode, em algum momento, ser quebrado por uma emoção mais forte. Até porque as crianças podem fazer algum comentário e nos pegar desprevenidos e aí a máscara cai. Então, a emoção vem sem filtro, forte, intensa e sem controle – e expõe ainda mais a fragilidade", diz Rita.
O que fazer, então?
As crianças não costumam ter maturidade o suficiente para lidar com toda a intensidade de alguns sentimentos negativos. Portanto, é possível compreender a atitude dos pais que tentam suprimir as emoções para tentar protegê-las. No entanto, dá para ser sincero, sem, contudo, exagerar e aprofundar assuntos que os filhos ainda não possuem capacidade para lidar.
Para Rita, não há problema em confirmar que está triste e dar uma explicação rápida, dizendo como a criança pode ajudar: "Não se preocupe, já vai passar. Preciso que você me ajude concentrando-se no seu dever de casa hoje, OK?". No entanto, ela ressalta que a sinceridade é muito diferente de desabafar com a criança. "Ela não poderá resolver e ainda ficará preocupada. Quanto menor a criança, maior deve ser o filtro", orienta. A psicóloga lembra ainda que as crianças menores são egocêntricas e tendem a achar que, se os pais estão tristes, a culpa é delas. "Portanto, é bom frisar que não é com ela", indica.
Nesse sentido, analisar o que vai ser repassado à criança é realmente necessário. "Os pais precisam filtrar suas sensações negativas. Situações muito complexas e nebulosas podem gerar nos filhos insegurança e desconfiança de que os adultos não conseguirão protegê-las", pontua Carmen.
Aumentar os sentimentos positivos também faz mal
Da mesma maneira que faz mal reprimir os sentimentos negativos, ressaltar em excesso os positivos, passando para a criança a impressão de que o acontecimento é maior do que ele, de fato, é também pode trazer prejuízos emocionais aos pais. "O exagero e a exaltação de tudo o que a criança faz gera nela a sensação de que, por menor esforço que tenha, sempre merece aplausos para qualquer conquista. Isso também colabora para que ela não consiga lidar com as frustrações e insucessos", lembra Carmen. E, bem sabemos, que eles fazem parte da vida inteira.
Fonte: Revista Crescer
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