Dois anos depois de ter quebrado a perna em um acidente de corrida, eu já chegava à marca de até 160 quilômetros por semana na esteira, preparando-me para uma corrida de aventura de 36 horas. Veterana de 15 maratonas e inúmeros eventos atléticos, estava no ápice da forma física. Ou assim eu achava – até uma manhã de domingo quando mal consegui levantar os braços. Após anos erguendo pesos, estava cansada demais para levantar a cesta de roupa suja. Parecia que meu próprio condicionamento havia me derrubado. Seria excesso de treinamento? Será que eu tinha exigido tanto além dos meus limites, que o meu corpo não conseguia mais continuar?

"Qualquer pessoa que faz esporte de endurance joga com o conceito de ir além", diz Jeffrey B. Kreher, especialista em medicina do esporte no Hospital Geral de Massachusetts. "O treinamento excessivo ocorre quando a capacidade de tolerar estresse diminui substancialmente por qualquer razão. A homeostase do corpo atingiu seu ponto de ruptura ou desequilíbrio." Kreher e a colega médica Jennifer Schwartz, agora no Centro Médico Beth Israel Deaconess, publicaram uma análise abrangente da condição, Síndrome do treinamento excessivo: um guia prático, no periódico Sports Health.

Esse excesso, porém, pode ser difícil de ser diagnosticado. Entre os primeiros sinais estão platôs (níveis estáveis) ou declínios de desempenho. Frequências cardíacas de repouso podem apresentar seja elevação ou diminuição. Extrema fadiga e músculos doloridos se instalam. No final, o treinamento excessivo abala o equilíbrio delicado dos sistemas múltiplos, desestabilizando hormônios, sistema imunológico, comportamento e humor. O quadro pode causar uma abrangência complexa de sintomas possíveis, como insônia, irritabilidade, ansiedade, perda de peso, anorexia, falta de motivação, falta de concentração e depressão.

Ninguém sabe quais mecanismos biológicos desencadeiam a síndrome. Uma teoria argumenta que é causada por uma falha do hipotálamo, uma estrutura cerebral que regula muitos hormônios, funções metabólicas e o sistema autônomo central. "É confuso porque se trata de um diagnóstico retrospectivo, e a fadiga não significa que você tenha síndrome de treinamento excessivo. Nem toda depressão significa overtraining. A tolerância ao estresse de um indivíduo tem muitas influências diferentes", diz Kreher.

Como apontado pela dupla de médicos em sua análise, o problema tende a começar quando elementos estressantes adicionais surgem na vida do atleta. "Pode ser excesso de viagens, a pressão de uma temporada de competição ou mesmo a monotonia", explica Kreher, elucidando uma razão por que aqueles meus quilômetros infindáveis na esteira tinham me deixado num beco sem saída. Ele observa que os atletas olímpicos, que estão sob uma pressão tremenda, podem ser especialmente vulneráveis aos efeitos do treinamento exagerado. Especialistas estimam que 60% dos corredores de elite e 30% de nadadores de elite treinam demasiadamente em algum momento durante a sua carreira.

É algo que o corredor de longa distância e ex-atleta olímpico Ryan Hall (ao lado) sabe muito bem. Favorito para os Jogos Olímpicos de 2016, ele se afastou em janeiro devido à fadiga extrema, seguindo os mesmos passos, exaustos, dos triatletas famosos Paula Newby-Fraser e Scott Tinley. Quando Hall anunciou sua saída, foi o fim de uma batalha de dois anos com o baixo desempenho. Seria resultado de treinamento excessivo? Como eu, ele não tem certeza, mas comenta: "Se você quiser atingir a marca de 2:04 para uma maratona, terá de treinar por muito, muito tempo e intensamente; e em algum momento essa exigência de seu corpo causará prejuízo". Para Hall, o dano foi principalmente físico. "Quando tentava correr, parecia que eu pesava uma tonelada e mal conseguia levantar minhas pernas", conta. Para outros, o sofrimento é principalmente mental.

O melhor tratamento para o treinamento excessivo é o descanso – o que pode soar fácil: uma simples soneca no sofá até recuperar as forças. Mas essa prescrição traz um desafio para os atletas que foram condicionados por décadas a treinar e a competir. Para os de elite, como Hall, Kreher acrescenta, suscita também uma questão existencial: "E agora?". Depois de reduzir suas corridas para três dias por semana, 30 minutos a sessão, e acrescentar treinamento com peso em sua rotina, Hall está mais uma vez aproveitando seu esporte. "Minha energia parece melhor do que durante toda a minha carreira de corredor. É uma pena não estar indo para o Rio, mas já fico agradecido pelas duas Olimpíadas de que consegui participar."

Kreher ressalta que não há fórmulas comprovadas para prevenir o treinamento excessivo, mas acrescentar quilômetros gradualmente e aprender a ser mais resiliente ao estresse – juntamente com a ingestão suficiente de calorias e carboidratos e hidratação e sono adequados – são princípios básicos do condicionamento. Também é eficaz concentrar-se em sentimentos que podem ajudar a manter altos os níveis de energia. Ao registrarem seu estado de humor após treinamento, por exemplo, nadadores participantes de um estudo realizado em vários estados reduziram o desgaste em 10%. "Se você faz atividade física e sente alegria, revitalização e saúde depois, então isso é apropriado Se você sente que foi trabalho, então é sinal de que deve fazer algo diferente." Estive seguindo esse sábio conselho ultimamente, e após um longo período de exaustão, estou correndo novamente. (Por Sarah Tuff Dunn, jornalista e corredora)

Fonte: UOL

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