Segundo o relatório de dados estatísticos da comunidade gay da Bahia, cerca de 420 LGBTQ+ (lésbica, gay, bissexual e travesti) morreram no Brasil em 2018, vítimas da homolesbotransfobia, foram 320 homicídios (76%) e 100 suicídios (24%). Em relação a 2017, houve 6% de redução do índice de criminalidade, tendo como registro 445 mortes no ano.

A advogada Chyntia Barcellos, trabalha há 10 anos na causa, já chegou a publicar um livro sobre fatos, afetos e preconceitos, no qual reuni artigos desde 2009 em sites e jornais, contando os avanços e retrocessos do grupo LGBT. De acordo com ela, na constituição de 1988, embora não fale expressamente de pessoas homossexuais, proíbe qualquer tipo de discriminação contra qualquer pessoa, porém, não existe nenhuma lei no Brasil que conceda os direitos deste grupo.

"Nós temos a lei Maria da Penha, no qual reconhece a união homoafetiva, quando diz que a violência independe de orientação sexual, e hoje, nós temos no congresso, um projeto de lei, para que pessoas como transexuais, sejam atendidas pela lei Maria da Penha, oriunda de violência doméstica, que também já é de costume na grande maioria da Delegacia da Mulher, na maioria dos estados isso é uma questão recorrente. Entretanto, não tem nenhuma lei, a não ser as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), de 5 maio de 2011, no qual reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo, dando a elas o caráter de família, e de união estável de pessoas heterossexuais ", afirma a advogada.

Ainda de acordo com a profissional, é mantido pelo STF o reconhecimento da possibilidade de alteração de nome, gênero, de pessoas transgêneras, diretamente no cartório, sem precisar de cirurgia, sem a necessidade de ação judicial para isso. Foi regulamentada pelo provimento de 73 do Conselho Nacional de Justiça, que determina rol de documentos necessários e certidões de documentos estaduais, federais, civis, criminais, entre outros para que possa realizar a alteração.

Chyntia ressalta que não existe necessidade nenhuma de relatório e laudo médico que indica a questão da sexualidade. Essa alteração é para pessoas que se identificam com o gênero oposto ao nascimento, mediante o rolde de documentos tachados da resolução nº 73, do CFJ que pode proceder. Para a profissional, foi um grande ganho do STF.

Ela destaca que o crime de transfobia é declarado ao Instituto de Crime de Racismo. " Agora temos acompanhado a grande maioria dos ministros federais, inclusive relatores das ações constitucionais do mandado de injunção e da ação direta de omissão. Ministros manifestaram seus entendimentos pela criminalização da homofobia e transfobia no Brasil ao crime de racismo", explica.

Segundo a profissional, qualquer vítima de preconceito deve dirigir-se a delegacia e fazer uma ocorrência para que possa ser enquadrado dentro da legislação como injúria, difamação, lesão corporal e/ou tentativa de homicídio. Dentro do local de trabalho é preciso comunicar ao seu chefe ou gestor responsável para que ele tenha consciência da situação. Sendo assim, persistindo o ato discriminatório, o indivíduo pode procurar a justiça do trabalho e solicitar indenização.

A advogada relata que há casos de preconceito contra transexual em relação a proibição do uso do banheiro e ao uso do nome social. Para ela, o que poderia ser feito para melhorar a educação social no Brasil, é trabalhar políticas públicas adequadas para o grupo LGBT.

Um olhar de quem é ferido

Ruan Rodrigues é homossexual, e relata que o problema do preconceito já é algo cultural no Brasil, e que embora não seja um país mais difícil do mundo, também não é um dos mais fáceis. Viver em um lugar onde o desrespeito é nítido, desperta o medo, e o aumento da onda de violência o assusta.

Para ele, no Brasil existe duas vertentes, uma que foi criada um "padrão" atualizado, e outra relacionando homossexuais em piadas incessíveis como "desperdício" ou algo como concorrência para mulheres, além do termo preconceituoso como "veado", utilizado constantemente em alguns grupos.

"Ser gay incomoda e contraria o discurso religioso, não somos validados socialmente na configuração de família, caso queremos ter filhos a lei nos ampara, mas a sociedade pouco nos apoia enquanto instituição. O acesso das pessoas a outras culturas, como para que as pessoas daqui vejam que estamos atrasados em aspectos de respeito ao próximo, mas na mesma proporção que elas ajudam, as informações no formato Fake News acabam gerando um pouco de confusão", afirma Ruan.

Ruan conta que na infância sofreu agressões físicas, mas hoje, no mundo adulto, a ofensa é diferente, vai desde textos em redes sociais a ofensas psicológicas. Mas que, apesar disso, ele acredita em um mundo diferente, se transformando para melhor.
Luca Hanie, que é transexual, diz que recebe violência psicológica constantemente, e até chegou a ser agredido duas vezes por conta de sua sexualidade. Hoje, ele é reconhecido civilmente como homem, tendo a troca de seu documento oficialmente em cartório.
"Passei por uma situação de violência verbal junto com a minha namorada, uma senhora me leu como mulher e começou a dirigir ofensas contra nós em um terminal de ônibus, foi horrível. Muita gente me lê como "veado" pelo meu jeito mais afeminado, e, sofro olhares e já ouvi comentários sobre isso", afirma.

Luca acredita que, para se ter uma educação social em relação a comunidade LGBT é necessário que instituições de rede pública e privada ensinem sobre direitos humanos, desconstruindo o preconceito gerado pela sociedade, isso seria o básico das relações. Pontuando também a questão de empregabilidade como espaço para pessoas trans. "A criminalização de forma prática da LGBTfobia já seria uma boa medida de diminuição do índice de morte e violência contra LGBT's. Outra política importante, seria a conscientização das empresas, treinando e ensinando a lidar com essa população e incentivando-as a empregar essas pessoas. Assim, sairíamos da margem e ficaríamos menos vulneráveis à violência", afirma Hanie.

A publicitária, Isadora Soares, relata que ouviu piadinhas inúmeras vezes, tanto de seus familiares, quanto de pessoas na rua. Ela indaga que não se sente muito segura ao andar nas ruas de Goiânia, pois já ocorreu de estar ao lado de sua namorada e ter que soltar a mão por medo de ser agredida fisicamente.

"Fisicamente, nunca sofri uma agressão, mas nunca sei se volto para casa sem nenhum arranhão quando saio mais cedo, visto que o aumento de violência é constante e em todos os lugares", ressalta.

Isadora fortalece a importância da participação de familiares e educadores na luta contra o preconceito, no qual pode ser criada políticas de ações sociais a serem desenvolvidas para diminuir o número de mortes no país.
"O modelo heteronormativo é muito colocado como o único correto nesse ambiente. Não estou falando que devem dar uma cartilha para uma criança falando sobre sexo gay ou hétero, mas sim que a escola, coordenação, direção e professores, ensinem que qualquer forma de amor, em qualquer família é válida. Por fim, a sociedade como um todo precisa entender que os tempos são outros, que os homossexuais não vão e não devem se esconder. Não é preciso muito, apenas respeito", explica Isadora.

psicologia X Despatologização

Segundo o Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de psicologia de Goiás, Mayk da Glória, que participou da criação da Resolução 01/18, da qual estabelece normas de atuação para as psicólogas e psicólogos em relação às pessoas transexuais e travesti, relata que, a mesma foi promulgada pelo CFP a partir de discussões e aprovações da reunião do Plenário da Assembleia de Políticas, Administração e Finanças dos sistemas dos Conselhos de psicologia em 2017, sendo publicada no dia 29 de janeiro de 2018.

De acordo com ele, a resolução traz como ideia o processo de Despatologização das identidades de travestis e transexuais, em conjunto com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir da classificação internacional de doenças 11, na qual a transexualidade foi retirada do capitulo de saúde mental para saúde sexual.

"Então, nós do conselho Regional de psicologia, bem como o sistema do Conselho Federal do país, e os 23 Conselhos Regionais de psicologia, compreendemos as transvestilidades como expressão saudável das identidades de gênero, dentro do aspecto de identidade de gênero possíveis; bem como a homossexualidade, bissexualidade, heterossexualidade, é como expressões saudáveis da orientação sexual na experiência humana", afirma.

O Conselho Regional é favorável a resolução, pois votaram para a aprovação da mesma. "Consideramos que não há base científica e mercadológica, validada enquanto ciências que justifique a consideração da transexualidade e transvestilidade por si só, como patológicas", diz o presidente.

Para Mayk, não é só o fato da pessoa ter uma orientação sexual, homossexual, heterossexual, bissexual, x gênero, que constitui patologia. Pois, a opção sexual, seja ela qual for, de forma alguma deve ser considerada pelo profissional em exercício de sua profissão algo do campo das psicopatologias, devido ao fato de não ter comprovação científica para isso. O que se observa em determinados segmentos que consideram as identidades de gênero como travesti e transexuais como patológicos, é embasamento em valores morais e religiosos impostos a sociedade.

"Nós estamos querendo dizer que, este papel da psicologia na sociedade brasileira, no qual é pautado em valores científicos, conhecimentos produzidos a partir de pesquisas de cunho científico e com evidência, da contribuição que a psicologia pode ter a partir de cada psicólogo ou cada psicóloga para a melhoria de qualidade de vida das pessoas travesti e transexuais, para a gente poder buscar uma sociedade mais justa, igualitária de maior respeito a diversidade, e compreendendo que cada pessoa tem o seu modo de ser, e estar no mundo".

Ainda de acordo com o presidente do conselho, este modo de ser e estar é único, e precisa ser respeitado, incluindo suas singularidades em relação as identidades de gênero, orientação sexual e qualquer outra experiência no campo da sexualidade humana. Pois, a expectativa de vida dessas pessoas é até 35 anos, ocasionado por conta da negação que a população intitula a eles. E, por isso, os Conselhos de psicologia tem o papel fundamental no processo de despatologização das identidades de travesti e transexuais no país.

O profissional destaca como exemplo a relação de emprego, como o fato da negação das identidades reveladas e negações da vida. Então essas pessoas são colocadas na margem da sociedade, e, acaba por muitas vezes, por conta da falta de opção, se envolver com prostituição, de um estilo de vida que traz mais risco e vulnerabilidade para a questão de saúde e segurança, no qual acabam sendo vítimas da transfobia. De acordo com ele, a transfobia é um dos fatores que gera uma quantidade grande de taxa de mortalidade no Brasil, sendo colocado como o país recordista. Entretanto, ele realça a principal finalidade deste profissional em auxiliar essas pessoas que se sentem ameaçadas perante a sociedade.

"Eu entendo que a melhoria não é só na questão de constituição, mas, na questão de socialização. A gente precisa discutir de modo aberto as questões da sexualidade humana, da identidade de gênero, da orientação sexual, dos impactos dessa temática na família. E como que a psicologia, entre outras ciências e profissões podem contribuir para que nós possamos desmistificar essas questões e preconceitos que geram tamanha descriminalização e violência em relação a comunidade LGBT", explica Maycon.

Hoje vive-se em um mundo no qual a forma de relacionamentos de casais homossexuais ainda é um tabu. E isso cria uma certa barreira, no qual engrandece a cultura do ódio entre a interação dessas pessoas na sociedade. Por esse motivo, para que elas entendam que a melhor forma de se combater o preconceito, é por meio da criação de políticas construtivas, das quais possam atender com base nas informações precisas sobre o tema. Destacando que, o respeito é dado desde a base familiar, no qual se desenvolve dentro das instituições escolares, trazendo resultados eficazes dentro das comunidades. Mostrando que o diferente é algo singular, e que todos, em sua classe social, econômica e cultural têm o direito de ir e vir sendo livre em suas escolhas de ser e estar.

Por Raquel Lima