A defesa da redução da maioridade penal faz parte de um movimento que vem sendo articulado há tempos e, de forma oportunista, foi retomado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, no final de março/15, com a aprovação da PEC 171/93. Trata-se da possibilidade real da redução da idade penal de dezoito para dezesseis anos, um golpe duro, anacrônico e socialmente prejudicial para o Estado Democrático de Direito e para todo o povo brasileiro, em especial para a garantia de direitos da adolescência pobre deste país.

Discursos conservadores, articulados em especial por parlamentares da "bancada da bala" do congresso, valendo-se do sentimento de insegurança da população (sentimento este reforçado diariamente pela grande mídia sensacionalista), recebeu apoio imediato de outros grupos conservadores. Esta bancada, e seus apoiadores, articulam, juntamente com a questão da redução da maioridade penal, a tentativa de revogar o Estatuto do Desarmamento, que além de ampliar o número de armas portadas, sugere também a redução da idade para aquisição das mesmas. Dessa forma, propagandear um clima de pânico, justificando o encarceramento de adolescentes a partir dos dezesseis anos, sob o argumento de diminuir a violência, não é uma mera coincidência.

Estudos de diferentes áreas do conhecimento científico comprovam que a adoção de leis penais severas, punitivas, culpabilizadoras e repressivas não diminuí os índices de violência. A complexa problemática da violência pode ser combatida por ações governamentais e projetos educativos em parceria com a sociedade nas diferentes instâncias que os reproduzem. A marginalidade é uma prática moldada pelas condições sociais, econômicas, culturais e históricas em que os homens vivem. Desta forma, o adolescente em conflito com a lei não surge ao acaso, é consequência de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população. Este problema não se resume apenas à etapa da vida do adolescente em questão, pois, apresenta um problema cíclico. Um jovem em situação de criminalidade representa o fracasso da sociedade em oferecer condições dignas, humanas e justas ao indivíduo em todas as fases da vida, incluindo aí a maioridade e a infância; todas as etapas do desenvolvimento humano interagem em suas consequências ambientais e psicossociais.

A aparente "justiça" que está por trás do discurso da redução da maioridade penal não a promove e tampouco resolve o problema da violência, é mais uma forma de punir quem já é punido pela exclusão de direitos básicos. Trata-se da velha prática da "Lei do menor esforço", assumida prontamente por parlamentares que, diante das queixas da população por segurança, apresentam soluções pragmáticas, prontas, simplistas, rápidas, inconsequentes e desastrosas para toda a sociedade. Medidas vingativas e em que nada se aproximam de solucionar os graves problemas do país, de fundo econômico, social e político.

Ao contrário do que é propagado pela grande mídia diariamente, os adolescentes não são os principais autores da violência, mas sim as maiores vítimas. Do total da população de adolescentes brasileiros, 0,5% cometeu atos infracionais, já a taxa de homicídios destes cresce vertiginosamente: cerca de vinte e quatro meninos e meninas, na grande maioria pobre, são assassinados por dia no Brasil. Ou seja, se chamamos a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.

Ainda ao inverso do que é divulgado insistentemente, não há impunidade para o adolescente que comete ato infracional. No Brasil, qualquer adolescente, a partir dos doze anos, é responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei, cumprindo medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que não compactua com a impunidade. O ECA responsabiliza o adolescente autor de ato infracional, propondo aplicação de medidas socioeducativas que valorizam o adolescente, oferecendo condições para sua retomada de vida em sociedade. Medidas que, quando aplicadas em consonância com o ECA, são exitosas, como confirmam experiências.

Reduzir a idade penal é mais uma forma de eximir a responsabilidade do Estado, que assegurando sua ineficiência tenta justificar o injustificável, endurecendo leis que, ironicamente, não são cumpridas. O Estado, que já falhou não aplicando as políticas necessárias que garanta às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos para evitar a criminalidade, erra novamente ao não cumprir com seu papel de oferecer instituições preparadas para a reeducação dos adolescentes que cometem ato infracional e mantém o equívoco ao tentar reduzir a maioridade penal.

Impor disciplina por meios coercitivos, exaltando o confinamento de modelo carcerário, é tirar a chance de nossos adolescentes exercerem qualquer tipo de cidadania, de serem cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. Sabe-se que a educação é fundamental para a formação de qualquer indivíduo, sabe-se também que, no Brasil, muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Assim, ao punir com o encarceramento, o próprio Estado assume sua incompetência por não assegurar este direito básico. Vale lembrar aqui o êxito de ações no campo da educação que levam à diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

Ao contrário do que propaga o senso comum, aumentar as penas para um número maior de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade. Confinar adolescentes nos precários presídios do país, junto com adultos, em nada contribuirá com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade, pois sabemos que, ao contrário do que deveria, o sistema penitenciário brasileiro não cumpre com a função social de reeducação da população carcerária. Trata-se de um sistema falido que imprime maior violência, afastando as possibilidades de reinserção do sujeito na sociedade.

Faz se necessário, neste momento pleno de ameaças da vida de nossos adolescentes, ponderarmos, de forma coerente e madura, não sendo levado por comoções oportunistas, a respeito do perigo desta medida para todos nós. A medida de redução da maioridade representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, pois reduzir a maioridade penal não os afasta do crime, pode ao contrário, ampliar a criminalidade à infância, visto que estas serão recrutadas cada vez mais cedo.

Assim, diante dos conflitos e tensões, frente às campanhas punitivas, preconceituosas e conservadoras que ameaçam frontalmente as conquistas dos movimentos de direitos humanos de diferentes segmentos, nós, da Faculdade de Educação da UFG, por meio desta nota:

· Somamos, de forma explícita e aberta ao diálogo, aos que exigem que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral;
· Reforçamos a necessidade de um tratamento diferenciado para os adolescentes autores de atos infracionais devido a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento;
· Defendemos a aplicação das medidas socioeducativas que não condenam meninos e meninas pelos seus erros, mas que contribuam para o recomeço e preparo para a vida adulta;
· Valorizamos os adolescentes e consideramo-los parceiros na construção de uma sociedade mais justa para todos;
· Repudiamos a concepção de que são os adolescentes que colocam a nação em risco, pois colocar a nação em risco é criminalizá-los e deixar impunes os verdadeiros donos das redes do tráfico de drogas e os agentes públicos responsáveis por combatê-las.

Goiânia, 10 de abril de 2015

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás/FE/UFG

Fonte: UFG