Lembro-me de perguntar a uma jovem paciente se já havia informado a sua mãe sobre o seu desejo em relação a ela. A jovem me retornou dizendo que a mãe já deveria saber. Expliquei que provavelmente sua mãe não tinha a menor noção daquela demanda e que seria bom para as duas que ela a informasse. Na sessão seguinte, ela chega com um grande sorriso no rosto, divertindo-se com a ideia de que sua mãe não sabia, nem mesmo do que parecia ser óbvio.
Quando nasce um bebê, os pais têm a certeza de que nada sabem, em especial no primeiro mês. Com o tempo, entendem que é preciso acreditar que sabem de algo, para que deem destino à energia que circula no corpo deste novo ser que veio à luz tão prematuramente. Isso porque os humanos são filhotes que sofrem de uma prematuridade que requer todo uma construção cultural para orientá-los no mundo. Com o passar do tempo, os pais vão se sentindo à vontade com essa suposição de que sabem o que é o melhor para seus filhos. E cada qual supõe uma verdade distinta da de seu parente, amigo, vizinho. Mas quando a família chega à adolescência (sim, porque todos adolescem juntos) é que temos tal verdade destituída de sua potência absoluta.
A criança que segue sendo amada e bem olhada por seus pais na infância terá na adolescência o devido cuidado com seu corpo. Seguirá se amando e tomando os cuidados que lhe foram transmitidos pela experiência do dia a dia com os pais. Porém, não significa que este adolescente estará protegido do pensamento onipotente tão característico dessa fase: "Fulano não se deu bem, mas isso não acontecerá comigo". Quem nunca pensou assim? Que cada qual retome as lembranças de sua adolescência e visite esta frase em pelo menos um ato. E sim, o adolescente atua, vai lá e faz acontecer. Não é essa a liberdade que grande parte dos adultos inveja? Contudo se esquecem de todo o restante das experiências dessa fase que amedrontam, aterrorizam e acuam esse mesmo ser aparentemente tão livre e atuante.
Como educar um filho? Tema de tantas discussões, livros e artigos, mas não deste que pretende tratar de como surgem os pais. Acredita-se que os pais surjam do desejo de encontrar esse terceiro. E ele chega para nos submeter a uma mudança. Há nessa escolha inconsciente, de se tornar pai ou mãe, um movimento de submissão. Pois diante de um bebê, estamos prontos a nos submeter a um tempo e a um desejo do outro. Não se trata mais apenas de nós mesmos. É em nome desse amor quase traumático de tão absoluto que abandonamos em parte as nossas defesas mais sórdidas e abrimos a guarda para o encontro com esse outro.
Mas não sejamos ingênuos. Afinal, não deixamos de ser humanos com todas as dificuldades de cedermos em nossas defesas agressivas. Quem nunca se colocou de forma agressiva frente ao outro para ter o que deseja? A partir dessa fraqueza e em nome da educação muito sadismo é oficializado e muita covardia é desculpada.
Não deveríamos nem mesmo discutir sobre o quão desnecessário e cruel é punir um ser mais frágil física e subjetivamente. Seja com espancamentos ou com humilhações verbais, com a desculpa de que se quer o melhor para ele. Se o desejo é o melhor, que seja apresentado da melhor forma possível. Mas se não der, que, no mínimo, possa-se recuar com horror frente a seu ato. E que haja bravura em se desculpar com o(a) filho(a).
Eis uma atitude digna do lugar que os pais ocupam. Não era esse o desejo desde o princípio, o de se encontrar com um outro ser e continuar aprendendo com a vida? Aprende-se a ser pai, aprende-se a ser mãe. Mas não basta ter um filho para que isso aconteça. Nem mesmo se esconder por trás da muralha da educação punitiva. Correndo o risco de ser piegas, continuo apostando no amor. Ele requer sempre que se abandone a couraça onipotente. Que os pais nunca se esqueçam de como foi e como é ser filho. Assim, quem sabe, poderemos nos aproximar mais de nosso suposto semelhante que nos é maravilhosamente diferente. Na verdade, uma bela novidade.
Marcela França de Almeida é psicanalista
e professora do curso de psicologia da UFG.
Fonte: O Popular