Por Ana Suy Sesarino Kuss*

O amor é meu tema de estudo e de trabalho, (já que trabalho com a psicanálise e a transferência é um dos nomes do amor – e já que é disso, de amor, que se fala em análise), mas a cada vez que vou falar sobre ele, o tema me aparece como pergunta. O que é mesmo o amor?

Como tudo na vida que a gente não sabe o que é, é mais fácil começar dizendo o que não é.

O amor não é aquilo que nos permite, ao olhar pro outro, ver as mesmas qualidades e defeitos que a gente tem. O nome disso é se olhar no espelho. O amor é outra coisa.

O amor não é aquilo que transforma um dia útil normal num dia especial. O nome disso é sexta-feira. O amor é outra coisa.

O amor não é aquilo que te desperta para a vida e te aquece por dentro. O nome disso é café. O amor é outra coisa.

O amor não é aquilo que te deixa muito quente e te leva pra cama. O nome disso é dengue. O amor é outra coisa.

O amor não é aquilo que te faz subir às alturas entre quatro paredes. O nome disso é elevador. O amor é outra coisa.

E por aí vai. Pois bem. Falar sobre o que não é o amor, é possível. Mas e o amor, o que é? Tanto se fala dele, sem nunca poder dizê-lo em definição.

Falar sobre o amor é uma imensa responsabilidade, pois quando falamos do amor, dos enlaces e desenlaces que fazemos através dele, não estamos falando de um conceito estritamente psicanalítico ou de uma experiência rara, estamos dizendo de uma experiência que diz respeito a muitos, a cada um de nós. O próprio complexo de Édipo, coluna vertebral da psicanálise, é a história de como cada um de nós aprendeu a amar e a desejar. A maioria das pessoas aqui, senão todas, já se alegrou com o amor e também já sofreu por ele.

Freud e Lacan nos disseram que o artista precede o psicanalista, por isso cito Clarice Lispector, em Água Viva:

Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.

Portanto, de inicio, amor é desconstrução. É a desconstrução do que havia antes para a construção de uma novidade.

Há muitos que procuram e não encontram o amor. Pois, ora, o que é que se procura ao procurar o amor? Outro dia uma amiga me perguntava se eu tinha algum amigo para "indicar" a ela. Tal como se indica alguém a uma vaga de emprego. Na fantasia neurótica, há uma vaga para o amor, onde se busca alguém que preencha a certos requisitos: que seja bonito, que seja honesta que seja educado, que seja bondosa, que seja isso, que seja aquilo. Pois bem, Clarice nos indica que o amor não é isso. Como ela disse, "Amor é a desilusão do que se pensava que era amor".

Amar, então, começa com a perda do ideal de amor. Nesse sentido, amar é perder. Se é preciso se reconhecer faltante para amar o outro, só poderia mesmo ser assim.

Lacan diz que é preciso perder para poder falar. A entrada na linguagem acontece por uma perda de gozo, ligada à castração. Há um importante dito lacaniano sobre isso (no Seminário 10), que diz que "somente o amor permite ao gozo condescender ao desejo". Assim, o amor, tal como a fala, nos implica em uma perda de gozo.

Por isso o amor é um discurso. É transformar aquilo que não se diz com palavras, em discurso.

No amor, trata-se de transforma o indizível em dizível.

É a redução do infinito de um sentimento em algumas palavras.

O amor não cabe na palavra amor – tem um pezinho na linguagem, pois é possível falar dele, mas está fora das palavras. O amor não cabe no "eu te amo". Daí a queixa neurótica generalizada de que as pessoas banalizaram o eu te amo. Eu te amo é uma banalidade, é um clichê, amar é bem maior do que isso.

Por isso o amor é um discurso na medida em que opera como castração. Amar é perder. É uma perda de gozo que permite ao sujeito ascender ao desejo.

Fora do discurso o amor aparece como devastação, como gozo feminino, como algo sem limites. É por isso que o seminário do gozo feminino, o seminário 20, é o seminário do amor.

O amor, como discurso, dá um destino cultural ao gozo. Por isso a psicanálise o utiliza, pela via da transferência, como método de tratamento.

Lacan disse que o amor era a sublimação do desejo. Isso porque se o desejo não tem objeto, e fica deslizando de objeto em objeto, à deriva, metonímico, o amor lhe dá alguma estabilidade. É verdade que não é toda, ou o amor mataria o desejo e deixaria de existir, mas possibilita que o desejo não fique à deriva de quaisquer objetos.

Para Lacan, se não fosse pela cultura, sequer ouviríamos falar de amor. Assim, só podemos amar porque o discurso amoroso existe. Portanto, o amor, tal como a demanda, é uma tentativa de expressar o desejo. Como disse Lacan, toda demanda é uma demanda de amor. O desejo será aquilo que ficará como impossível de dizer, como resto de demanda, como resto de amor.

Portanto, se sabemos que a linguagem não atende a todo o desejo, visto que sempre que dizemos algo não podemos dizer tudo desse algo, podemos entender que o amor, como discurso, também não aniquila o desejo. É nesse sentido que a relação sexual não existe. Porque não aniquila a falta constitucional de cada um, à medida que não destrói o desejo. Aliás, pelo contrário. O amor é justamente aquilo que nos dá notícias do desejo. Os amantes testemunham o querer estar sempre mais perto, mesmo quando já estão perto. No amor, perto nunca é perto o suficiente. O amor é uma saudade daquilo que ainda está acontecendo. Há uma nostalgia do desejo da qual o amor nos traz notícias.

Sobre esta nostalgia, Lacan diz, no Seminário 4:

Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto perdido, através da qual se exerce todo o esforço da busca. Ela marca a redescoberta do signo de uma repetição impossível, já que, precisamente, este não é o mesmo objeto, não poderia sê-lo. A primazia desta dialética coloca, no centro da relação sujeito-objeto, uma tensão fundamental, que faz com que o que é procurado não seja procurado da mesma forma que o que será encontrado. É através da busca de uma satisfação passada e ultrapassada que o novo objeto é procurado, e que é encontrado e apreendido noutra parte que não no ponto onde se o procura (LACAN, [1956/57]/1995, p.13).

Dito de outro modo, pode-se dizer que quando se procura uma coisa, se acha outra. Sabemos bem que a melhor maneira de achar alguma coisa é procurando outra.

Portanto, o que se procura não é o que se acha, já que amar é perder o ideal. Freud já nos introduziu nessa leitura lacaniana, ao se referir ao mito de Aristófanes mais de uma vez em sua obra, sendo a primeira em Três ensaios sobre a sexualidade, para falar sobre a pulsão.

Conta o mito platônico que antigamente éramos seres duplicados, cada um tinha quatro pernas, quatro braços, duas cabeças e dois sexos. Assim havia o indivíduo que tinha um sexo feminino e um masculino, o que tinha dois sexos femininos e o que tinha dois sexos masculinos. Por sermos muito fortes e ambicionarmos tomar o lugar dos deuses, Zeus teria, então, nos cortado ao meio, com o objetivo de nos enfraquecer. Desde então, cada ser humano perambularia por aí sendo apenas metade de si mesmo, em busca de sua outra metade.

Não podemos deixar de notar aí que estaria explicado o desejo sexual homossexual, tanto o masculino quanto o feminino, e também o desejo heterossexual.

A busca do complemento, o mito de Aristófanes nos dá sua imagem de maneira patética, e enganadora, articulando que é o outro, que é sua metade sexual que o vivo procura no amor. A esta representação mítica do mistério do amor, a experiência analítica substitui a procura, pelo sujeito, não do complemento sexual, mas da parte para sempre perdida dele mesmo, que é constituída pelo fato de ele ser apenas um vivo sexuado, e não mais ser imortal (LACAN, 1964/1988, p.195).

Assim, o amor seria o desejo de recuperar uma parte de si perdida, encarnada no outro. A isso Lacan nomeou de objeto a, algo que diz respeito ao objeto perdido, que encontra-se no outro. Mas o que aparece como diferença radical na teoria lacaniana é que, diferente de quando se perde uma caneta, e então se procura a caneta perdida, e quando se encontra a caneta, de imediato sabemos que se trata da caneta perdida, a busca pelo objeto perdido trata-se de outra ordem. Isso porque, é apenas por uma licença teórica, nos diz Garcia-Roza, que dizemos que o objeto está perdido. É por o reencontrarmos que o supomos que foi perdido.

Diferentemente do que se costuma pensar, o que se encontra é menos algo que completa o sujeito e mais algo que dá notícias de sua falta. Pensamos que amamos porque o outro nos completa, quando na verdade amamos porque o outro nos faz falta. A falta convida o sujeito a habitar o registro do desejo, ao vazio constitucional de cada um. O que caracteriza o amor, é que por ele se dirigir ao ser, faz do outro insubstituível. Lacan propõe que

"o deslocamento da negação, do para de não se escrever ao não para de se escrever, da contingência à necessidade, é aí que está o ponto de suspensão a que se agarra todo o amor" ([1972/73]/2008, p.199).
Dito de outro modo, o objeto abandona a condição de contingente, de substituível para ganhar o estatuto de necessário.

Enquanto no desejo e no gozo só se pode tomar o outro como objeto, o amor mira no ser. Nesse sentido o amor está associado à singularidade, pois é único para o outro, e também ao mesmo tempo, à universalidade, já que o amor está inserido na cultura. Talvez possamos entender o amor como um "enlouquecimento socialmente aceito", como uma "loucura politicamente correta".

Segundo Badiou: "há no amor a experiência de uma possível passagem da pua singularidade do acaso para um elemento que possui valor universal (…) É por isso que todo amor verdadeiro interessa à humanidade inteira, por mais humilde, por mais oculto que ele possa ser em aparência".

Por isso as histórias de amor são tão importantes. Há algo de universal no amor que faz com que as histórias de amor interessem a tantas pessoas.

Ainda segundo Badiou: "O universal está no fato de que todo amor propõe uma Nova experiência de verdade sobre o que é ser dois, e não um."

Portanto, é necessária a passagem do amor, no sentido do gozo – sensação física, pensamento – para a palavra dita, para o discurso amoroso. Ainda que a linguagem toque um pedaço do amor, o amor não cabe no "eu te amo". E se o amante vira poeta, não é porque escreve bem, mas porque as palavras, mesmo as mais simples, quando falam de amor, ganham uma força poderosa.

O amor exige algo da repetição, denunciando a inexistência da relação sexual. Nos termos do desejo o amor não se realiza, exigindo reprises. Algo não cansa de não se inscrever. Você me ama? E agora? E agora? Tal como uma criança pergunta ao pai se está chegando em determinado lugar, os amantes precisam saber do amor de novo de novo.

Certamente, se a relação entre os sexos não é da ordem da complementaridade, isso não é "apenas" porque amor e desejo em muito se divergem, mas também porque os diferentes modos de gozar se fazem presentes. Se a relação sexual é impossível, isso é porque homem e mulher têm diferentes modos de amar, desejar e gozar.

Assim, o amor também é um esforço para inscrever o gozo na relação com o Outro.

Segundo Colette Soller, em "La maldición sobre el sexo", p. 137:

"Se descobre que, ainda que sem modelos, o amor não deixa de ter determinação. Esse foi todo o trabalho de Freud, buscar o que determina o amor. Estas determinações, que aparecem no caráter compulsivo repetitivo do amor, são, agora sabemos, as coações do próprio inconsciente. Então, posso formular do seguinte modo a revelação da psicanálise sobre o amor: está estruturado como um sintoma. Talvez fosse melhor dizer que é um tipo de sintoma: o que enoda o sintoma autista a um semelhante sexuado. O sintoma que encerra a relação com um gozo autista; (…) o amor é o sintoma que encerra o sintoma autista em um laço social".

Por isso pode-se entender que o amor recíproco faz um nó de dois sintomas autistas, faz laço. Eros une dois sintomas. Para Soler, trata-se de um amor limitado, que liga dois inconscientes em suas diferenças.

Se o amor fica fora do discurso ele se torna excessivo, fica sem destino cultural, desorientado. Para Soler, o crime nos indica o que há de mais real no amor (p. 90), pois fora do discurso, fora do simbólico, o amor não encontra limites. Sobre isso, Lacan disse no seminário 20, que o verdadeiro amor leva ao ódio. Assim podemos pensar o ódio como um excesso de amor, como um amor que não foi submetido à castração, um amor que não conhece o impossível da relação sexual.

Para Braunstein (2007, p.46):

É sabido que para Lacan, diferentemente de Freud, a castração não é uma ameaça, mas, pelo contrário, é salvadora. A ameaça verdadeira, a terrível, é que não haja castração. A clínica mostra, às vezes, que os defeitos na função do pai, que é a de incluir o sujeito na ordem simbólica, é a causa de um apelo desesperado, patético, à intervenção castradora que separe a criança do gozo e do desejo da Mãe.

É justamente no seminário 10, o da angústia, que Lacan diz seu aforismo de que é o amor quem conduz o gozo ao desejo, porque é nesse seminário que a angústia deixa de ser a de castração e passa a ser considerada como sinal da falta da falta. Por isso podemos entender a angústia como o avesso do amor, pois se o amor é o que liga o gozo ao desejo, a angústia denuncia a impossibilidade da completude dessa ligação.

Se há uma relação entre gozo e desejo, entendemos que é a castração que a permite, visto que é o impossível do gozo sem limites que desperta o desejo: "O que a experiência analítica os permite enunciar, é bem mais a função limitada do desejo. O desejo, mais do que qualquer outro ponto do quinhão humano, encontra em alguma parte seu limite." (LACAN, 1964/1988, p.343).

O discurso do amor será aquilo que enlaça as pessoas pelas palavras. Assim, o amor é um convite ao sujeito sair do próprio gozo, austístico e ir em direção ao Outro. É preciso dizer que as mulheres, os sujeitos femininos, têm mais facilidade para fazerem isso, visto que não estão inteiramente submetidas ao gozo fálico, e precisam encontrar um destino para seu gozo suplementar. Já aos sujeitos masculinos, esta é uma tarefa mais difícil, pois como diz Lacan, ainda que uma mulher queira que o homem goze do seu corpo inteiro, eles tendem a gozar apenas do próprio órgão.

Daí os pedidos tão comuns que as mulheres fazem aos homens para que eles falem de amor. Por isso Zalcberg (2008, p.174) diz: "O homem impõe uma divisão à mulher pelo Gozo. A mulher impõe uma divisão ao homem pelo Amor."

Assim, o que uma análise nos ensina, é que não se trata de ir em busca da cara-metade ou da tampa da panela, como nos diz o senso-comum. Mas também não se trata de ser só, inteiro, antes e depois buscar alguém, como nos dizem os livros de autoajuda, que pululam nas prateleiras e nas bocas por aí. A proposta de uma análise é que, para amar é preciso desejar, e que para desejar, é preciso que haja uma falta radical, da qual não se pode prescindir. Somos faltantes sem amor, no sentido das relações amorosas sensuais, e somos faltantes com amor. Talvez sejamos mais faltantes ainda, com amor, visto que no amor, dizemos sentir a falta do outro.

BADIOU, A.; TRUONG, N. (2009). Elogio ao amor. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

BRAUNSTEIN, N. Gozo. São Paulo: Escuta, 2007.

FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. vol 7.

GARCIA-ROZA, L. A. (1993). Introdução à metapsicologia freudiana 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

LACAN, J. (1956-1957). O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

_____ (1962-1963). O Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

_____ (1964). O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

_____ (1972-1973). O Seminário, livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

LISPECTOR, C. (1973) Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

SOLLER, C. La maldición sobre el sexo. Buenos Aires: Editora Manantial, 2000.

ZALCBERG, M. Amor paixão feminina. Rio de Janeiro: Campus, 2008.

*Ana Suy Sesarino Kuss é psicóloga, psicanalista, escritora. Professora do Centro Universitário Unibrasil. Autora do livro Amor, Desejo e Psicanálise. Texto apresentado no Diálogos do Lacaneando, em São Paulo, em março de 2016.

Fonte: Lacaneando