Imagine a cena: você pede para o seu filho tomar banho. Ele deixa o tênis no meio da sala, joga a roupa suja no chão do banheiro e, depois da ducha, a toalha molhada é largada em cima da cama. Se ele já sabe se vestir sozinho, abre a gaveta do armário (não fecha) e fica tudo de qualquer jeito. Você encontra o quarto bagunçado, só que pensa que ele é muito pequeno para deixar a casa em ordem. Também imagina que, caso ele arrume, vai fazer de qualquer jeito. Então, é melhor "poupar" o esforço do pequeno e resolver tudo em questão de segundos.

Se você já passou por isso ou pensou assim, é bom rever seus conceitos. Incluir as crianças nas atividades do lar desde muito cedo (a partir dos 2 anos) desenvolve a independência, a responsabilidade, a autoestima, a coordenação motora e ainda faz com que ela dê valor ao trabalho dos outros. "Precisamos mudar o paradigma. A nossa crença é de que criança faz tudo errado. Se os pais deixarem acontecer naturalmente, ela vai ajudar e repetirá igual", fala Estelle Boecherez, mãe de Chloé, 4 anos.

Estelle é professora em São Paulo e, após o nascimento da filha, criou A Casinha de Chloé, onde promove workshops sobre o aprendizado, o diálogo entre filhos e pais e a cooperação em família. Ela acredita que um dos grandes empecilhos da manifestação natural da criança de querer cooperar são os próprios pais. "Tinha receio de deixar minha filha lavar louça. Só que desde a primeira vez que ela fez, executou muito bem", conta Cecília Azeredo, mãe de Teresa, 6 anos, e de Helena, 2. Cabe aos pais orientar e ajudar. "Muitas vezes dá vontade de deixar a pia limpa em pouco tempo. Só que prefiro delegar essa tarefa para a Tereza adquirir independência", diz Cecília, que põe a filha em um banquinho para que ela alcance de maneira segura a pia.

Muitos pais reclamam da correria do dia a dia e não se preocupam em ensinar essas tarefas às crianças. Preferem que depois de grandes, na adolescência, elas tenham consciência do trabalho em equipe e cooperação. É muito provável que, quando crescerem, achem chatos os serviços domésticos. Portanto, vale a pena o esforço agora, pois, além de contribuir para o bem-estar de toda a família, esse tipo de atividade desenvolve habilidades que serão necessárias no futuro. Afinal, todo mundo vai precisar lavar uma louça, ajeitar os pertences, retirar a mesa do café.

"É essencial dar tempo e espaço para os pequenos. É claro que vai haver bagunça e nem sempre a atividade será concluída de maneira satisfatória. Lembre-se de que o importante é a participação e o desenvolvimento da autonomia deles", diz Marilyn Rossmann, professora da Faculdade de Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

Fazendo junto!

Quanto mais cedo a criança ajudar, melhor é, pois aos poucos isso vai se tornando um hábito. "O Matteo, com 3 anos, não pega a vassoura e sai varrendo a casa. Só que, se ele notar alguém limpando, faz junto. A minha ajudante do lar tem sempre um acompanhante nas tarefas", brinca Eliz Zancanaro, mãe do menino. É claro que há momentos em que não vão querer cooperar. Nesse caso, vale sempre iniciar uma conversa. Quando o Matteo recusa, Eliz diz: "Poxa, Matteo! Você vai me deixar fazer sozinha?". Na maioria das vezes, ele acaba atendendo ao pedido da mãe por já entender o real sentido de ajudar o outro.

"Saiba lidar como não da criança e nunca desista, persista diariamente. Se você quer ter pessoas competentes, independentes e autossuficientes, precisa trabalhar isso ao longo do tempo", assegura a antropóloga Carolina Izquierdo, pesquisadora associada do Center on the Everyday Lives of Families, da Universidade de Los Angeles, Califórnia (Ucla).

Junto com Elinor Ochs, professora de Antropologia e Linguística Aplicada, também da Ucla, ela foi a campo investigar três grupos: os matsigenka (indígenas da Amazônia peruana); os samoan (residentes da ilha de Upolu, do Oceano Pacífico) e as famílias de classe média de Los Angeles (Califórnia, nos Estados Unidos). A pesquisa deu origem ao artigo Responsibility in Childhood: Three Developmental Trajectories (Responsabilidade na Infância: Três Trajetórias em Desenvolvimento, em tradução livre).

Depois do cruzamento cultural e da observação da dinâmica familiar dos três diferentes grupos, elas concluíram que, enquanto era natural para as crianças samoan e matsigenka ajudarem seus pais em tudo – pescar, coletar folhas de árvores, varrer areia dos colchonetes em que dormiam, preparar a comida, ajudar a servir, entre outras tarefas –, com as crianças de Los Angeles não era bem assim. Além de não ajudarem nas atividades até consideradas simples, os pais passavam a fazer as tarefas dos filhos e desistiam de incentivar essa interação.

Os matsigenka tinham esse espírito colaborativo já no "piloto automático" porque existe uma preocupação dos pais em não gerar filhos preguiçosos e incentivar a participação de crianças em tarefas diárias é a forma de prevenção deles para evitar que isso aconteça. "O que mais impressionou é que eles não eram ensinados, pois aprendiam desde cedo só pela observação e repetição", diz Carolina Izquierdo.

Já para a sociedade dos Samoan, dois princípios são centrais em sua organização: hierarquia social e distribuição de responsabilidade para o sucesso das tarefas. Todos os membros da família participam das atividades. Ou seja, as crianças aprendem por observação e são lembrados por adultos que o caminho para o conhecimento é servir. São raros os reconhecimentos e, quando são feitos, as crianças são "elogiadas" por terem servido de grande apoio à comunidade. Já para as crianças de Los Angeles, como elas não cresciam com essa cultura da colaboração, era preciso não só orientá-las sobre a importância do ajudar o outro, como também deixar esse momento prazeroso. Assim, a probabilidade delas não acharem as tarefas tão chatas, era grande.

Do tamanho certo

Se você quer evitar que esse tipo de comportamento aconteça na sua casa, uma sugestão dos especialistas é criar desafios. A criança vai ficar mais instigada a fazer a tarefa doméstica se parecer uma "brincadeira". Portanto, que tal propor: "Vamos ver quem consegue guardar os brinquedos mais rápido?". Será uma experiência muito divertida.

Mais uma ideia é criar espaços exclusivos, do tamanho delas e com seus objetos. Chloé, por exemplo, tem sua pequena cozinha com seus utensílios. Não é à toa que uma de suas atividades favoritas é cozinhar com a mãe. E, atenção: não dê nenhuma recompensa pelas tarefas. A melhor forma de reconhecer o esforço do seu filho é verbalmente. Agradeça, parabenize e diga como a atitude dele ajudou a família inteira. Caso algo dê errado, atente-se sempre à conquista e não à falha. O que não pode é desmotivá-lo.

Tenha em mente que crianças querem imitar. Se você quer que elas façam algo, tem que fazer também. É preciso dar exemplo, como na casa da Teresa e da Helena. Cecília conta que a filha mais nova, de 2 anos, faz tudo sozinha: "Desde quando nasceu, ela vê a irmã fazendo, então, não aceita ajuda". Saiba também que a tarefa pode ser chata para você, mas para os pequenos tudo é novidade. Então, preste atenção na hora que você for apresentar uma atividade, nunca faça cara feia.

Outro cuidado que os pais devem ter é não criar tarefas específicas de meninos e de meninas. Por exemplo: o filho leva o cachorro para passear e a filha fica responsável por lavar a louça. "Não podemos criar medidas educacionais sexistas, nem pequenos príncipes que querem ser servidos", argumenta a professora Luciana Caetano, do Instituto de psicologia da USP. Todos são igualmente capazes e devem colaborar em tudo desde cedo.

Fonte: Revista Crescer