Com a colaboração de: Maria Lucrécia Zavaschi, professora aposentada de psiquiatria da infância e adolescência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre; e de Guilherme Polanczyk, professor livre docente de psiquiatria da infância e adolescência da Universidade de São Paulo (USP).

Ô perguntinha difícil! Nas conferências que faço pelo Brasil afora para pais e professores sobre transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e outros problemas de saúde mental de crianças e adolescentes, essa questão é uma das mais frequentes. O pediatra pode avaliar e tratar essas condições? Procuro um neuropediatra, psicólogo ou psiquiatra da infância e adolescência?

Indicação em primeiro lugar?

Dados de pesquisa nos Estados Unidos indicam que a escolha de um médico se dá ainda pelo conhecido método de boca a boca, mesmo nos dias atuais onde, para quase tudo, as pessoas fazem uma vasta pesquisa na web. Ainda que a escolha de um profissional possa estar restrita àqueles que são parte do convênio do paciente, a indicação de familiares ou amigos, em primeiro lugar, e a indicação de outro médico, em segundo lugar, deixam a escolha por dados do profissional disponíveis na web a léguas de distância.

Temos que convir que esse não parece ser um método muito criterioso de escolha; o que é bom para o filho de um amigo pode não ser o melhor para o nosso! A opinião de um médico sobre o outro nem sempre está baseada no conhecimento das habilidades clínicas do colega.

Soma-se a isso um outro aspecto. Essa é uma área onde há espaço não auditado para qualquer intervenção e muitos profissionais julgam possuir a verdade, sem apresentar os prós e contras das suas orientações, numa postura muito longe de científica.

Cada profissional irá abordar o problema de uma maneira

Costumo usar um exemplo com meus alunos de pós-graduação. Vamos pensar no caso de um menino de 7 anos com enurese noturna primária (i.e., faz xixi na cama desde sempre), morando com ambos os pais que têm um casamento instável e com uma irmã de 4 anos. Se os pais preocupados com o problema levarem a criança para um pediatra, neuropediatra ou psiquiatra estritamente biologicamente orientado, muito provavelmente irão sair da consulta com uma receita de uma entre três medicações (imipramina, DDAVP, oxibutinina).

A mesma família, nas mãos de um psicólogo que trabalha estritamente no referencial cognitivo-comportamental, ingressará num atendimento para condicionamento comportamental com um alarme urinário (dispositivo que é acionado quando a primeira umidade de urina aciona o sensor que emite um som acordando a criança), ou iniciará calendários com nuvenzinhas de chuva ou soizinhos associados a reforço positivo, na medida em que a criança consiga aumentar o controle.

Se a mesma família for ao consultório de um psiquiatra ou psicólogo que trabalha num referencial sistêmico de terapia familiar, ouvirão que a criança é o paciente identificado e que a enurese é a expressão da instabilidade da relação dos pais e, portanto, o tratamento deve ser uma intervenção com toda a família. Por fim, nas mãos de um terapeuta de orientação estrita analítica, terão a indicação de uma psicoterapia individual com o entendimento que a enurese está associada a questões edípicas mal resolvidas com o nascimento da irmã e que a criança está expressando dessa forma a sua raiva. Complicado, não? Como decidir em que porta bater?

Afinal, como decidir?

Como esta questão é complexa, mexe em questões de classe e não é estritamente baseada em evidência científica, resolvi pedir ajuda para os "universitários". No meu caso, duas pessoas que eu respeito muito na área de saúde mental de crianças e adolescentes. A eterna professora de psiquiatria da Infância e Adolescência da UFRGS, Maria Lucrécia Zavaschi, e o professor de psiquiatria da Infância e Adolescência da USP, Guilherme Polanczyk. Eis as nossas sugestões.

1º passo: Informe-se sobre o que lhe parece ser o problema que seu filho(a) tem. Uma boa alternativa pode ser sim a web! O importante aqui é separar o joio do trigo. Os sites de associações de portadores ou familiares da condição são valiosos. Mesmo que inglês não seja a sua praia, valha-se de uma ferramenta de tradução e pesquisa em sites ingleses, americanos, canadenses e australianos. Sites oficiais do National Institute of Mental Health nos Estados Unidos, do National Institute for Health and Care Excellence na Inglaterra são excelentes alternativas, assim como sites das associações de pediatria, psicologia, psiquiatria da infância e adolescência, e neuropediatria desses países. Para crianças de até três anos de idade, o site "Zero to Three" é um ótimo recurso.

2º passo: Volte a sua realidade (região ou convênio) e descubra, dentro de suas possibilidades, quem é a pessoa com maior formação e experiência em problemas de comportamento e emocionais de crianças que você pode ter acesso. Se você já conseguiu delimitar bem o problema do seu filho(a), pode ser alguém com a maior experiência nesses problemas. Mas, atenção, esse profissional pode não ser o que irá cuidar do seu filho(a)! Ele será aquele que irá indicar o caminho a ser seguido e com quem você irá discutir tudo que aprendeu na etapa acima.

Algumas dicas para incrementar o velho método do boca a boca, já que não teremos como escapar dele nesse momento.

Procure se certificar que ele(a) conhece profundamente desenvolvimento normal de crianças para saber diferenciar o que é patológico do que não é, e se transita por diversos referenciais teóricos (biológico, cognitivo-comportamental, psicanalítico, familiar), mesmo que trabalhe mais focado em um.

Afinal, ele irá definir se seu filho(a) precisa ou não de tratamento e, em caso positivo, de que modalidade (medicação, intervenção familiar, uma entre as diversas modalidades de psicoterapias individuais ou combinação de intervenções).

Mas porque gastar tempo e dinheiro com um profissional que talvez seja intermediário? Pela longa formação e experiência clínica, esses profissionais têm normalmente uma noção mais ampla e profunda do campo de atuação e dependem menos das indicações de colegas. Finalmente, com frequência, preenchem um requisito importante lembrado por um renomado psicanalista: precisam menos do paciente do que o paciente deles!

Em resumo, reúnem conhecimento de causa e liberdade para orientar aqueles que os procuram. Isso é fundamental numa área onde os parâmetros são muito subjetivos. Mas então porque não ficar com esse profissional? Normalmente, eles são mais caros, podem não ter a disponibilidade que você e seu filho(a) precisam e, mais importante, podem não ter o treinamento na técnica mais indicada para o seu filho.

Não saia da consulta sem entender muito bem o problema do seu filho, quais as evidências científicas dos diferentes tipos de tratamento e com pelo menos duas indicações de profissionais na modalidade definida. Vale a pergunta final: se fosse seu filho(a), nas condições que discutimos, qual modalidade de tratamento você indicaria e quais são as duas melhores opções de profissionais?

3o passo: Converse com os dois profissionais indicados. Um estudo recente sobre o melhor tratamento para depressão em adolescentes mostrou que três técnicas psicoterápicas completamente diferentes tiveram resultados muito similares após 1 ano de intervenção. Isso parece sugerir que elementos inespecíficos como empatia e real engajamento no cuidado do paciente possam ser até mais importantes do que elementos específicos que são caraterísticos de cada técnica. Nessa etapa, a sua percepção vai ajudar na escolha final.

Muito complicado? Demorado? Pois é, o risco da decisão rápida ou só embalada pela opinião dos outros é seu filho tomar uma medicação que não precisa ou ficar anos em terapia com um profissional que precisa mais dele do que ele do terapeuta!

Fonte: Veja

Fonte da imagem: Google