O filme Gente como a Gente (Ordinary People) foi o grande vencedor do Oscar no ano de 1981, faturando a estatueta nas categorias melhor filme, melhor diretor (Robert Redford), melhor ator coadjuvante (Timothy Hutton) e melhor roteiro adaptado (Alvin Sargent), tendo recebido ainda indicações para melhor atriz (Mary Tyler Moore) e melhor ator coadjuvante (Judd Hirsch).

No filme, o adolescente Conrad (Timothy Hutton) apresenta um quadro de depressão. Parece triste e desanimado, fala pouco, prefere ficar isolado, não consegue se concentrar na escola, não tem mais prazer nas aulas de natação, está com o apetite diminuído, com insônia e, quando consegue dormir, tem pesadelos. Contudo, diferentemente do que se observa na depressão, sua libido está normal: está, inclusive, interessado por uma colega da escola (Elizabeth McGovern), a quem convida para sair. Mas vamos perdoar o roteirista por esta falha quanto à semiologia psiquiátrica, já que, sem romance, não seria um filme hollywoodiano.

Conrad havia saído recentemente de um hospital psiquiátrico, onde fora internado devido à uma tentativa de suicídio. No hospital, fora submetido a eletroconvulsoterapia, método terapêutico que, apesar de todos os mitos e preconceitos - expressos no filme por seu treinador de natação (M. Emmet Walsh) –, ainda hoje é considerado altamente eficaz, além de seguro, nos casos mais graves de depressão. O transtorno havia começado após a morte de seu irmão, afogado, num acidente de barco.

Por ter sobrevivido ao naufrágio, Conrad, inconscientemente, se sente culpado pela tragédia. Ao lado desse trauma psicológico, o roteiro do filme responsabiliza os pais de Conrad (Donald Sutherland e Mary Tyler Moore) pela depressão do rapaz. Principalmente a mãe - distante, fria e obsessiva -, que o culpava pela perda de seu outro filho.

No entanto, considerar as experiências de vida, por mais terríveis que possam ter sido, como os únicos elementos importantes para o desenvolvimento de um quadro depressivo seria algo simplista, e, mais do que isso, distorcido. Diversos fatores não ambientais – genéticos, neurofisiológicos, bioquímicos ou endócrinos – são também altamente significativos. A rigor, a morte do irmão deve ser considerada apenas um fator desencadeante, e não causa da depressão.

Apesar de todo o progresso das neurociências, ainda não são conhecidas as causas da depressão, assim como da grande maioria dos transtornos mentais. Cabe ressaltar que depressão não é meramente uma tristeza muito intensa. Representa uma condição patológica, algo qualitativamente diferente de uma tristeza normal.

Após hesitação inicial, Conrad procura um psiquiatra (Judd Hirsch), indicado pelo médico que o atendera no hospital, para continuar seu tratamento. Provavelmente o rapaz está bem melhor do que quando fora internado, porém, seu quadro depressivo ainda é bastante grave. Apesar disso, esse psiquiatra prescreve apenas psicoterapia, duas vezes por semana. O mais adequado nessa situação seria combinar a psicoterapia com o uso de um medicamento. Em 1980, ano da realização do filme, o famigerado Prozac ainda não estava no mercado, mas já existiam – desde a década de 1950 - outros antidepressivos tão ou mais eficazes.

Mesmo sem medicação, Conrad vai aos poucos melhorando. Mas um grande salto só se dá depois que as ideias de culpa pela morte do irmão se tornam plenamente conscientes para ele, na última sessão de psicoterapia do filme. Embora a psicoterapia possa ser bastante útil no tratamento da depressão e de outros transtornos mentais, na vida real, não costuma ocorrer sessões tão extraordinárias, capazes de, subitamente, levarem à cura. O processo psicoterápico, na verdade, é lento e laborioso, e seus resultados mais duradouros são conquistados paulatinamente, no médio e no longo prazo. Ah, se o mundo real fosse baseado nos roteiros de Hollywood!

Por Dr. Elie Cheniaux, psiquiatra, escritor, mestre e doutor em psiquiatria, psicanálise e saúde mental pela UFRJ; pós-doutor pela COPPE/UFRJ e PUC-Rio; membro licenciado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.