No texto "Atendimento psicossocial ou interdisciplinaridade na assistência social? ", publicado em março, indiquei que iria escrever sobre o conceito psicossocial como abordagem metodológica, tendo como campo teórico a psicológica social e comunitária.

A Política de Educação Permanente do SUAS – PEP/SUAS precisa ser amplamente implementada e garantida para todos aqueles que integram a rede socioassistencial, porque a atuação de todos os profissionais interfere na realidade – para a sua manutenção ou para a transformação e o resultado dessa ação reverberará, com as mesmas características, nestes agentes. Abordarei mais sobre isso ao longo deste texto.

No texto citado acima pontuei que o conceito "psicossocial" não é a junção da psicologia com o Serviço Social como é comumente reproduzida acriticamente na Assistência Social, às vezes, considerado apenas uma acepção para a "dupla profissional" formada por essas duas profissões. Estas que compõem as equipes de referência com uma diferença numérica substancial das demais profissões previstas e atuantes. Discorri também sobre os prejuízos de não se discutir o "psicossocial" na Assistência Social como uma abordagem teórico-metodológica porque reflete a falta de uma intervenção pautada pela interdisciplinaridade.

A abordagem psicossocial é mais discutida e sustentada na Política de Saúde Mental a qual é chamada de Atenção Psicossocial, e, sumariamente, visa superar o modelo médico e o clínico-psicoterápico e nomeia o principal equipamento substitutivo dos hospitais psiquiátricos – o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, enquanto que na Assistência Social ainda é pouco discutida.

Esta abordagem tem uma diversidade de correntes e sobre isso direciono vocês aos escritos de Eduardo Vasconcelos (2008) sobre Abordagens Psicossociais (Vol. I, II e III) mais especialmente ao Vol. I, intitulado "História, teoria e trabalho no campo", onde o autor traz um panorama preciso com sistematização histórica, epistemológica e teórica. Como o autor pondera, na prática precisaremos compreender como se processa hoje uma prática criativa ou reprodutiva.

Este texto é também um manifesto porque vejo a/s abordagem(s) psicossocial(s) como norteadora (s) da atuação dos trabalhadores no SUAS, pois a intenção não é só apontar o uso equivocado do termo "atendimento psicossocial", porque me valendo de Zangari et.al (2017), "mais do que pontuar uma conexão racionalizada do que seja "psico-social", é desejável que psicólogos sociais incorporarem/desenvolvam uma atitude decorrente da profunda compreensão do que se denomina ou adjetiva como "psicossocial". Pág. 79

O método psicossocial é tratado a partir de diferentes disciplinas e escolas teóricas, e é muito aceita, na psicologia, como tendo fundamentação teórica-metodológica na psicologia social e comunitária – nas várias psicologias. A palavra psicossocial, especialmente o hífen que relaciona psico e o social é tratada exaustivamente por diferentes autores e perspectivas teóricas no livro "A psicologia Social e a Questão do Hífen", organizado por Silva Junior e Zangari. (2017). Questões que são postas e analisadas desde a grafia até a conceituação da psicologia Social, e por isso recomendo o estudo para quem deseja aprofundar nesta temática e conhecer as diferentes abordagens teóricas.

Considerando minha afinidade com a psicologia Social crítica de base no materialismo histórico-dialético, eu me recorro a Vasconcelos (2008) para conceituar abordagem psicossocial, o que para ele trata-se de um campo: "Campo das abordagens psicossociais que é uma área do conhecimento cujo objeto é a interseção de fenômenos psicológicos, sociais, biológicos e ambientais, formando um campo aplicado (…). O campo é nominado no plural porque tem uma perspectiva pluralista, multidimensional e interdisciplinar, e marcado inexoravelmente por um engajamento ético e político nas lutas dos vários movimentos sociais populares e seus projetos históricos, bem como na construção de políticas sociais universais e marcadas pelos princípios da integralidade, intersetorialidade e ampla acessibilidade, como direito do cidadão e responsabilidade do Estado". Pág.15

Com a abordagem psicossocial nunca me senti à deriva, ou que tinha caído de paraquedas na Assistência Social. Bader Sawaia foi uma das autoras a quem recorri no início da atuação no SUAS e foi neste período que tive acesso ao livro "As Artimanhas da Exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social"[ii]. Entender que essa abordagem infere os estudos e a prática interdisciplinar e a ação intersetorial, me levou, desde o início, à práxis.

A práxis do trabalhador do SUAS

A intervenção a partir da perspectiva psicossocial implica à problematização e ao desenvolvimento de uma atuação sob a égide da práxis e da interdisciplinaridade. Práxis não é prática. Práxis é a inter-relação entre a teoria e a prática. É um compromisso com a transformação da realidade com a qual atuamos e com as disciplinas das quais nos servimos e as servimos para sua reinvenção ou atualização a fim e que não se tornem obsoletas ou instrumento opressor para o tempo presente ou o iminente.

A práxis deve ser o norte de atuação onde a prática tem ação intencional na direção da emancipação e da transformação da realidade, ação esta que influenciará a teoria, a qual nunca está pronta e ambas sofrem alteração numa via de mão dupla. A realidade é complexa, contraditória, opressora e por isso é tão importante a práxis para manter uma atuação menos alienante, e domesticadora conforme nos aponta Paulo Freire (2005), o qual conceitua práxis como sendo a: "reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos". Pág.42

A intervenção psicossocial eleva também a urgência da implementação da Política Nacional de Educação Permanente no SUAS – PNEP/SUAS, a qual "deve buscar não apenas desenvolver habilidades específicas, mas problematizar os pressupostos e os contextos dos processos de trabalho e das práticas profissionais realmente existentes. Via pela qual se buscará desenvolver a capacidade crítica, a autonomia e a responsabilização das equipes de trabalho para a construção de soluções compartilhadas, visando às mudanças necessárias no contexto real das mencionadas práticas profissionais e processos de trabalho". Pág. 30

Não é somente pela via da universidade que se tem a possibilidade de pautar o entrecruzamento – teria e prática. A maioria esmagadora dos trabalhadores do SUAS (profissionais de nível superior, nível médio, gestores e conselheiros) não está ou estará nas universidades e por isso é indiscutível a urgência em garantir a Educação Permanente – EP. Esta que deveria ser muito mais levada a sério, pois é condicionante para o trabalho de desenvolvimento de uma política pública.

Colocar o campo psicossocial como instrumento teórico-metodológico e ético-político me fez criar este blog seis meses após me iniciar no SUAS. Este espaço foi minha resistência e minha condição para a prática, uma vez que não tinha nem a universidade nem a EP como meios de reflexão e compreensão do campo que me oprimia e oprime a todas/os as/os trabalhadoras/es.

Para enfatizar o que estou problematizando elejo abaixo alguns dos objetivos específicos da PNEP/SUAS (2013):

g) Ofertar aos trabalhadores Percursos Formativos e ações de formação e capacitação adequados às qualificações profissionais requeridas pelo SUAS;

i) Criar meios e mecanismos de ensino e aprendizagem que permitam o aprendizado contínuo e permanente dos trabalhadores do SUAS nos diferentes contextos e por meio da experiência no trabalho;

k) Consolidar referências teóricas, técnicas e ético-políticas na Assistência Social a partir da aproximação entre a gestão do SUAS, o provimento dos serviços e benefícios e instituições de ensino, pesquisa e extensão, potencializando a produção, sistematização e disseminação de conhecimentos.

A educação permanente está prevista desde a NOB/RH/SUAS (2006), mas somente com a Lei 12.435/2011, a qual altera a LOAS incorporando definitivamente o SUAS, acrescenta, em seu artigo 6º: "implementar a gestão do trabalho e a educação permanente da assistência social" como um dos objetivos da gestão do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Caminhou-se dois anos até que a PNEP/SUAS fosse publicada. Passados seis anos da criação desta política, como está a sua implantação e implementação nos municípios? Já foi elaborada e aprovada? Está operante ou engavetada? Ou nem foi pautada?

As respostas para estas perguntas irão fazer revelações sobre seu campo, sobre a realidade do seu trabalho e consequentemente da qualidade e potência do mesmo em agir com e no território e do que é apresentado pelas famílias. O temor por respostas negativas é evidente porque o trabalho acrítico ganha campo fértil, tendo grandes chances de funcionar como mantenedores da realidade opressora (a das pessoas do território e das pessoas que usam os serviços e a nossa – sempre bom lembrar de nos incluirmos).

Essa realidade opressora é causadora de sofrimento, mas não sofrimento de gênese individual, é um sofrimento psicossocial ou ético-político[iii] como aponta Bader Sawaia (2006) "O sofrimento ou mal-estar e psicossocial precisa ser analisado como mediação (passagem) de outras mediações conjunturais, estruturais, históricas e subjetivas o que significa olha-lo através da miséria assustadora do apodrecimento da máquina estatal e da ética minimalista que caracteriza as sociedades contemporâneas, isso é, reduzida à retórica, de forma a se aceitar que as pessoas podem agir da forma que quiserem, desde que bem justificada". Pág.51

Muito mais há para se falar sobre as fundamentações teórico-práticas na Assistência Social e ensaiar essas reflexões com a abordagem psicossocial é uma provocação e questionamento quanto ao que se está reproduzindo no cotidiano dos serviços e uma abertura para se discutir outras teorias e metodologias possíveis no SUAS, porque o que não dá para aceitar, frente aos acenos oficiais ao retorno das práticas higienistas e policialescas, é trabalho esvaziado e domesticador.

Correndo o risco de ser precipitada, aproveito para vislumbrar a possibilidade do trabalho comunitário transdisciplinar na Assistência Social, me valendo de uma conceituação capturável para nosso âmbito de Pereira (2008), que experimentou e teorizou sobre esse trabalho que: "em sentido mais amplo, designa em termos epistemológicos (construção e elaboração de conhecimento) um aprender que não privilegia rigidamente categorias conceituais, nem teorias, pessoas, status profissional, hierarquia, instituição ou qualquer procedimento disciplinar ou de especializações". Pág. 202.

Se o campo psicossocial requer uma postura ético-politica, que é o modo específico de pensar, através da interdisciplinaridade, quem sabe da transdisciplinaridade, numa perspectiva crítica, espero que este texto incite a práxis e a compreensão de que esta abordagem pode ser nossa aliada nesta dura e contínua tarefa de (de) construir a Assistência Social.

Edázima Aidar é psicanalista pela Sociedade Campinense de Psicanálise.

Fonte do Texto e da imagem: psicologianosuas.com/2019/07/07/abordagem-psicossocial-e-a-praxis-na-assistencia-social/" target="_blank">psicologia no SUAS